25 maio 2006

Dia de África



EXORTAÇÃO

Hoje! Finalmente hoje
Farei dançar o meu corpo
Libertado de cadeias antigas!...

Hoje! Finalmente hoje
Poderei chamar
Para a minha dança-oração
Os guerreiros mortos
Em antigas batalhas.

Eu, Inamba Kanina
Vos chamo ao som
Da minha corneta
De chifre de oholongo:

Venham! Venham antigos sobas
Manis e makotas!
Venham fidalgos de Matamba
De nGola
Muatiânvua e Mataman.

Venha do nDongo,
nGola Kiluanji!
Da Lunda,
Muatchisenge Ua Tembo!
Venha do Bailundo
Ekuikui II!
Do Kwanyama,
Haimbili!

Venham! Venham todos
E se juntem no meu tyipito,
Na minha Ombala empobrecida
Afim de cantarmos a mbila,
A chuva nossa mãe
Onkaihamba!

Enfim! Os xingufos
Não mais se calarão.
As ñgomas voltarão a ter
As suas vozes firmes
De outrora.

Aiuê Kalunga, Kalunga uê!
Que o teu tyinkwani
Que nunca se acaba,
Caia sobre os nossos corpos suados!...

Capelongo, 17-12-74


NOTAS

Ohamba Kanina - Último grande soberano do reino da Huíla. Depois da sua morte começou a desintegração do reino, com a sublevação de Injau (soba de Jau), entre o final do séc. XVIII e princípio do séc. seguinte. O reino da Huíla, com a capital onde está hoja a povoação da Huíla, formou-se nos finais do séc. XIV.

Oholongo - antílope (Strepticeros).

Sobas, manis e makotas - títulos hierárquicos usados em algumas regiões de Angola.

Matamba - reino formado no séc. XIV. A partir do séc. XVI era habitado principalmente pelos Jagas que o invadiram fugindo do reino do Kongo.

nGola - reino formado no séc. XIV, por povos negros que migrando do centro de África o avassalaram. Na primeira imigração, em data desconhecida, o nome dos Ambundos, vencedores, foi dado aos seus bravos componentes que dominaram os ocupadores primitivos. O primeiro soberano de nGola conhecido foi nGola Inene. Foi de nGola que derivou, posteriormente, o nome do nosso país «Angola».

Muatiânvua - segundo a tradição lunda, este nome deriva de um descendente de Lweji, filha de Kondo grande chefe lunda, que era casada com o grande caçador Luba Tyibinda Ilunga. Depois da morte de sua mãe, Muatiânvua, submeteu várias tribos lundas e formou um reino, nos finais do séc. XVI, que tomou o seu nome.

Mataman - foi um reino que se formou em data muito antiga, talvez por volta do séc. XV, na região que corresponde, mais ou menos hoje, ao distrito da Huíla e Moçâmedes.

nDongo - o mesmo que nGola.

nGola Kiluanji - célebre soberano do reino de nGola (1575).

Muatchitenge Ua Tembo - grande chefe dos Kyokos (Tyokwe).

Ekuikui II - grande soba do Bailundo (séc. XIX).

Haimbili - soba Kwanyama que ficou na tradição como o mais justo.

Tyipito - festa.

Ombala - residência do soba.

mBila - chuva.

Onkaihamba - rainha.

Xingufu - instrumento musical.

ñGoma - tambor.

Kalunga - Deus.

Tyinkwana - pano usado para cobrir as nádegas.



(Jorge Arrimar, in Ovatyilongo, Lubango 1975).

Comentários: 2

Blogger ZENsia escreveu...

Não sei se esta é ou não uma boa definição, e ainda assim vou referi-la: "o antropólogo consagra-se à descrição meticulosa de uma só cultura; o etnólogo quer abranger sistematicamente o conjunto dos grupos culturais que habitaram ou habitam o planeta."
Não sendo eu nem antropóloga, nem etnóloga, desde cedo tive curiosidade de saber mais e mais sobre o ser humano nas suas variadíssimas expressões. África encanta e amarra quem por lá chega ou está. A diversidade cultural africana, ainda que enraízada na antiguidade, soube estender-se e influenciar outras culturas, outros povos, ou não fosse África o tão chamado "berço da humanidade." É por isso, com grande prazer que leio o teu blog, pelo que me trazes de novo para aprender. Obrigada. É também por isso que resolvi criar um novo blog, http://chafaricaesoterica.blogspot.com, onde vou dando conta do que de recôndito se esconde em nós humanos e nó planeta.
Bem hajas

26 maio, 2006 13:09  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Convém chamar a atenção de quem me lê para o facto de que as notas publicadas no fim deste poema não são minhas, são do próprio poeta. Os meus conhecimentos da História de Angola não vão tão longe, nem pouco mais ou menos.

Convém também acrescentar as notas que Jorge Arrimar publicou no fim do seu livro Ovatyilongo, que explicam a ortografia um pouco estranha que ele emprega. Passo a citar:

«GUIA PRÁTICO SOBRE A LEITURA DAS PALAVRAS BANTUS INSERTAS NO LIVRO

Todas as palavras são pronunciadas da mesma maneira que em português, excluindo as seguintes:

B - pronuncia-se anasaladamente; é sempre precedida da nasal mb.

D - pronuncia-se anasaladamente; é sempre precedida da nasal nd.

G - pronuncia-se anasaladamente; é sempre precedida da nasal ng.

ñg - tem sempre o som de g fanhoso.

H - é sempre aspirado, quer no princípio, quer no corpo da palavra.

S - sôa sempre como ç, mesmo entre vogais.

Y - serve para molhar certas letras e para formar ditongos. Neste último caso y é a semivogal de i, como w é a semivogal de u. As letras denominadas palatalizadas ou molhadas, são: dy, ny, ty. Ny sôa como nh em português. Dy e ty têm sons análogos, diferentes, porém, de tj, dj e tch. Para se pronunciar correctamente dy e ty deve-se colocar a língua como se se quisesse pronunciar a sílaba nhi da palavra portuguesa companhia.

K, P, T - existe a nasalação acidental destas letras.

Atendendo mais à natureza dos fonemas do que à letra, resolveu o autor, não contar como letra a nasal m ou n, precedente às letras b ou d, aparecendo por isso mesmo, em letra minúscula precedendo a maiúscula, quando determinados casos assim o exigem.

Por exemplo: nGombe

26 maio, 2006 23:08  

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