05 novembro 2006

Vestir-se de casca de árvore

"Pano" de casca de árvore dos Bakuba, da República Democrática do Congo

Há dias, li uma notícia que referia a chegada a algumas localidades angolanas de pessoas que tinham estado refugiadas nas matas e que «vinham em tão miserável estado que se encontravam vestidas de cascas de árvores». Eu aposto que o jornalista que redigiu a notícia não sabe o que são as tais cascas de árvores, julgando que os refugiados, à falta de roupas, teriam simplesmente coberto a sua nudez com cascas que arrancaram das árvores.

Eu não sou a pessoa mais indicada para falar sobre o assunto, pois quando estive em Angola apenas acompanhei muito superficialmente a feitura de um casaco de casca de árvore, o qual nem sequer era para mim. De qualquer modo, vou tentar abordá-lo um pouco.

De uma forma geral, em quase todas as regiões tropicais do planeta -- em África, na América, na Ásia ou no Pacífico -- as populações souberam, ou ainda sabem, produzir vestuário de casca de árvore, utilizando, mais ou menos em toda a parte, as mesmas técnicas de fabrico.

A matéria-prima utilizada não é extraída da parte exterior da casca das árvores, mas sim da sua parte mais interior, daquela parte fibrosa que fica mesmo encostada ao tronco propriamente dito e através da qual flui a seiva das folhas para a raíz. Não é qualquer árvore que serve para a extracção. Tem que ser uma árvore de uma ou mais espécies bem determinadas.

Depois de extraída da árvore, a matéria-prima é demolhada ou mesmo fervida em água durante várias horas, para amolecer. A seguir, ela é batida com pedras redondas, por exemplo, para lhe esmagarem as fibras e assim serem extraídos os materiais lenhosos e outras impurezas que contiver. É posta de novo de molho em água, para mais tarde voltar a ser macerada, e este processo é repetido durante muitos dias. O tempo total de preparação da casca pode demorar mais de um mês.

No fim do processo, a casca é posta a secar muito lentamente, para que não fique rígida e quebradiça. O produto final é parecido com uma folha de papel, mas é resistente, flexível e muito macio, podendo-se cortar e costurar. Uma casca de árvore bem preparada é muito suave ao tacto e muito confortável de usar.

Depois de ter sido preparada da forma indicada, de ter sido pintada e decorada (ou não) e de os seus rebordos terem sido aparados com uma tesoura, a casca de árvore pode ser usada assim mesmo, sob a forma de "pano", tanga ou manta (neste último caso, podem unir-se várias cascas durante a maceração, justapondo-as de forma a que os seus extremos se sobreponham, e martelando-as assim para que no fim resulte uma "folha" maior), como pode ser utilizada na confecção de peças de vestuário, como casacos, calças, etc. Não faltam em Angola competentes alfaiates, que sem problemas confeccionarão roupa de homem e de senhora a partir da casca de árvore.


"Pano" de casca de árvore dos Pigmeus Mbuti, da República Democrática do Congo

Comentários: 3

Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Quando me disseram que iam encomendar um casaco de casca de árvore, pensei que estavam a brincar comigo... E afinal era verdade. A encomenda foi feita a um alfaiate de sanzala, que tratou de tudo, desde a extracção da casca até ao casaco feito, o qual assentava como uma luva ao seu dono. Depois do que vi, fiquei com muito respeito pelos alfaiates do mato, pois são capazes de trabalhar com grande profissionalismo.

É uma imagem comum, em sanzalas e musseques de Angola, a do alfaiate que costura ao ar livre, em frente à sua cubata, servindo-se, as mais das vezes, de uma vestutíssima máquina de costura, que mais parece saída de um qualquer museu da Singer. A máquina mais antiga que encontrei, nos confins da mata, era uma relíquia de dar à manivela com a mão, fabricada num tempo em que ainda não se tinham inventado sequer as máquinas a pedal!

A costura em Angola é tradicionalmente uma actividade masculina. Só nas cidades é que se poderão encontrar costureiras. No mato, até a roupa de senhora é confeccionada por homens. Eu seria capaz de apostar que os vestidos usados por estas duas angolanas, por exemplo, foram feitos pelo alfaiate da sua sanzala.

Como curiosidade, repare-se que, por cima do vestido, elas usam um pano enrolado à cintura ou passado por baixo das axilas. Este pano tem por finalidade tapar as pernas delas, pois os vestidos que os alfaiates lhes fazem costumam ser muito curtos, com a baínha muito acima dos joelhos.

No entanto, se precisarem de transpor um obstáculo, como subir ou descer um desnível mais acentuado, por exemplo, elas não hesitarão em tirar o pano e dar a ver umas belas pernas, mostradas por uma reveladora minissaia.

07 novembro, 2006 17:51  
Blogger a.leitão escreveu...

"No entanto, se precisarem de transpor um obstáculo, como subir ou descer um desnível mais acentuado, por exemplo, elas não hesitarão em tirar o pano e dar a ver umas belas pernas, mostradas por uma reveladora minissaia."

Denudado:
Este seu último parágrafo faz-me lembrar as suas reticências ao "rapagão" barbudo. Convenhamos que a do anúncio é bem melhor.

Mudando de tom.

Creio que o "desprezo" institucional pela História leva a alguma dificuldade em compreender e desconhecer o passado e as suas riquezas. Afinal o Papiro já tem uns milénios.

08 novembro, 2006 01:28  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

A. Leitão, "a do anúncio" que refere é a menina dos anúncios da Galp? Se é, então não há qualquer comparação possível entre ela e o marmanjo de rabo ao léu que pôs no seu blog!

08 novembro, 2006 23:39  

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