26 dezembro 2006

Eles souberam proteger-se do tsunami


Africana, esta jovem?

Por incrível que pareça, ela é tão africana como as suecas ou as japonesas. Os seus antepassados saíram de África há várias dezenas de milhares de anos, tal como os antepassados das suecas, das japonesas e de todos os outros seres humanos considerados não-africanos.

Esta jovem que aqui se vê é natural de um arquipélago pertencente à Índia, o arquipélago de Andaman, que fica no Golfo de Bengala, entre a Índia e a Tailândia.


Os naturais de Andaman são habitualmente chamados "negritos", por causa da cor da sua pele e da sua pequena estatura. Um homem desta etnia mede em média 1,52 metros de altura. As mulheres são ainda mais baixas. Quer isto dizer que estas pessoas são apenas ligeiramente mais altas do que os pigmeus da África Central.

A população negrita total de Andaman não passa de algumas centenas de pessoas. Além do arquipélago de Andaman, existem também escassíssimas populações negritas vivendo na Malásia e nas Filipinas. Há igualmente relatos, e até fotografias, que testemunham terem existido negritos na Austrália, os quais desapareceram completamente.

Os negritos de Andaman são caçadores e colectores. Recusam, tanto quanto estiver ao seu alcance, qualquer contacto com o mundo exterior. Esta atitude poderá ser uma consequência da grande violência com que foram tratados pela colonização inglesa.


Oficialmente, a Índia tem respeitado a vontade de isolamento dos negritos de Andaman, mas rasgou uma estrada que atravessa a ilha de Grande Andaman quase de uma ponta à outra, a qual facilita a penetração de pessoas vindas de fora, sobretudo do subcontinente indiano. Pode-se dizer, portanto, que os negritos desta ilha se vêem ameaçados no seu modo de vida, na sua cultura e, até, na sua própria sobrevivência como povo.

Os habitantes da vizinha e pequena ilha de Sentinela do Norte, por seu lado, recusam mesmo toda e qualquer espécie de contacto com o exterior, seja ele qual for, mostrando-se completamente hostis a qualquer pessoa estranha. Não hesitarão, mesmo, em matar à flechada quem se atrever a pôr os pés na sua ilha. Os sentinelenses são, por isso, uma das populações mais isoladas da Terra.

Qualquer observação de um mapa daquela parte do mundo revelará que o arquipélago de Andaman fica extraordinariamente próximo do local onde teve origem o terrível tsunami que, em 26 de Dezembro de 2004, devastou as costas do Oceano Índico de uma forma tão pavorosa. Em face do tremendo número de vítimas registado nos países envolventes e também no vizinho arquipélago de Nicobar, esperou-se que os negritos de Andaman também tivessem sofrido pesadíssimas perdas em vidas humanas. Chegou-se mesmo a recear que eles tivessem sido, pura e simplesmente, varridos da face da Terra, pois as suas ilhas são muito baixas.


Para grande espanto, nenhum negrito de Andaman morreu na catástrofe. Enquanto as pessoas "civilizadas" morriam aos milhares e milhares, os "primitivos" negritos de Andaman souberam prever a vinda do tsunami, graças aos seus profundos conhecimentos das correntes marítimas, dos ventos, do comportamento dos peixes e das aves, da ondulação do mar, etc. Sentindo sinais de perigo, estes homens e mulheres "da Idade da Pedra" puseram-se a salvo no interior das suas ilhas, protegidos pelas florestas que as cobrem, antes que o tsunami chegasse.

Aqui está uma lição que nos ensina que nunca devemos menosprezar a sabedoria de um povo, por mais "atrasado" ou "primitivo" que ele nos pareça. Ele pode possuir conhecimentos de que nós nem sequer suspeitamos.

Comentários: 16

Blogger Cacusso escreveu...

Temos muito, muito mesmo para aprender.
Devemos começar por respeitar a vontade destes povos que, face a tudo o que sabemos, é de uma sabedoria extrema!
No dia em que permitirem a aproximação terão a existência comprometida.

27 dezembro, 2006 22:12  
Blogger João Carlos Carranca escreveu...

Amigo:
Obrigado por esta lição. Tou a dever esta.

28 dezembro, 2006 00:18  
Blogger Terra escreveu...

As coisas que aprendo contigo!
E como esta matéria aumenta o grau de ridículo, de imprecisão e de irresponsabilidade das discussões sobre "raças", africanismos, "evidências" culturais, identidades e outros clichés.

28 dezembro, 2006 00:21  
Blogger della-porther escreveu...

amigo

segui a indicação de phwo...e gostei muito. excelente texto.
voltarei para ler mais.

um abraço

della

28 dezembro, 2006 10:37  
Blogger O'Sanji escreveu...

Através do blog da Phwo, cheguei aqui.
Obrigada por ter aprendido mais uma coisa hoje.

28 dezembro, 2006 23:18  
Blogger a.leitão escreveu...

Denudado,
Grande lição.
Isto merecia um comentário bem abrangente sobre História, Sociedade e Política.
A Felicidade é algo de Imaterial e que advém da própria essência do Ser

29 dezembro, 2006 01:25  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Muito obrigado, meus caros amigos, pelos vossos comentários. Permiti-me que acrescente mais uns pontos ao que escrevi no artigo.

O arquipélago de Nicobar, que fica tão próximo do de Andaman que quase se confunde com ele, não é habitado por negritos. Os seus naturais são asiáticos, "parentes" próximos dos tailandeses, e pagaram um pesadíssimo tributo em vidas humanas ao tsunami.

No meu artigo, eu refiro-me a uma ilha chamada Grande Andaman, mas no mapa não se vê em lado nenhum o nome em inglês desta ilha, Great Andaman. Na realidade, esta ilha existe, sendo composta por duas partes, que estão quase separadas: Lower Andaman e Middle Andaman. A estrada de que falei, e que se vê em duas das fotografias que publiquei, parte da capital do território, Port Blair, em direcção a Norte, prolongando-se praticamente até à ponta Norte de Middle Andaman.

Os arquipélagos de Andaman e Nicobar constituem em conjunto um território autónomo da União Indiana, que depende directamente do governo federal em Dehli e não de qualquer dos estados da federação. Uma situação administrativa semelhante têm os antigos territórios portugueses de Damão, Diu, Dadrá e Nagar Aveli, assim como a antiga colónia francesa de Pondichery. O antigo território português de Goa, por seu lado, é agora um estado federado.

29 dezembro, 2006 22:40  
Blogger inominável escreveu...

mágico este post... a pôr a ridículo a nossa ridícula tendência para classificar e etiquetar povos, crenças e sabedorias... como a famosa etiqueta da "civilização" a que poderia juntar outra, tão em moda como definhante, de "democracia"... saibamos aprender e escutar...

31 dezembro, 2006 14:30  
Blogger CN escreveu...

Bela história. Gostei muito. Abraços.

01 janeiro, 2007 18:15  
Blogger ELCAlmeida escreveu...

Tal como outros cheguei aqui via MwanaPwo. tem tanto de interessante como extraordinariamente educativo. Parabéns pela chamda de atenção e por nos trazer esta mensagem e, como diz Carlos Narciso, bela história.
Já agora e se me permite a achega, num estudo que fiz para o meu Mestrado descobri que há antropólogos que consideram que os "negros" são provenientes do sudeste asiático, nomeadament, da zona do Vietnam, em função da semelhança de certas partículas vocais - e palavras - com idiomas resultantes do Ba'Ntu (banto).
Uma vez mais, obrigado por esta pequena lição.
Cumprimentos
Eugénio Almeida

01 janeiro, 2007 19:54  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Parece-me que tenho que pedir à Phwo para fazer mais referências ao meu blog... Isto ficou mais animado! Mais uma vez, muito obrigado pelos vossos comentários.

Caro Eugénio Almeida, como escrevi no blog da Phwo, as investigações feitas no campo da genética das populações têm vindo a comprovar a teoria da origem africana da humanidade. Assim, de acordo com essa teoria, os vietnamitas é que são provenientes de África (assim como todos os homens) e não os negros do Sudeste Asiático.

A enorme diversidade genética existente entre as diversas populações africanas, em comparação com as das outras regiões do globo, por exemplo, é interpretada como sendo uma prova da maior antiguidade da presença do homem em África do que no resto do mundo. Isto está de acordo, aliás, com as descobertas arqueológicas até hoje feitas.

Por outro lado, tem-se conseguido fazer a genealogia genética de muitas populações não-africanas, encontrando-se laços de parentesco muito próximo entre elas e algumas das populações africanas.

Muito mais se poderia dizer a este respeito, mas o tempo e o espaço não o permitem. Fica a ideia, que já foi realçada pela Phwo, da relatividade da noção de "raça" e do ridículo da sua instituição em dogma.

03 janeiro, 2007 12:05  
Anonymous Anónimo escreveu...

Excelente e enriquecedor o momento proporcionado pela leitura do post e respectivos comentários!

05 fevereiro, 2007 03:01  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Obrigado Zé Kahango. Seja bem-vindo. O facto aqui relatado passou completamente despercebido à imprensa internacional. Só poucos órgãos de informação indianos é que deram conta dele, e mesmo assim muito tempo depois do tsunami. É uma lição de humildade para todos nós.

05 fevereiro, 2007 23:44  
Anonymous Anónimo escreveu...

Olá,muito interessante ouvir ou ler o outro lado lado dos Jawara,deixo aqui este vídeo,que me deixou muito triste como ser humano :/ https://www.youtube.com/watch?v=COzv3UYBdmI

09 setembro, 2017 13:04  
Anonymous Anónimo escreveu...

https://www.youtube.com/watch?v=COzv3UYBdmI,

09 setembro, 2017 13:07  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Obrigado, caro/a anónimo/a pelo vídeo. É profundamente lamentável que os Jawara (os "negritos" de Andaman) sejam tratados como atração turística numa espécie de Zoo humano, sem respeito nem dignidade. Infelizmente não é só em Andaman. Noutras partes do mundo passa-se o mesmo, ou quase. Mesmo em Angola, há agências de viagens que organizam excursões a aldeias habitadas por Mucubais, Mumuílas e outros povos que seguem um estilo de vida tradicional, como quem organiza excursões ao jardim zoológico.

10 setembro, 2017 02:45  

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