27 março 2007

Caminho longe

Caminho
caminho longe
ladeira de São Tomé
Não devia ter sangue
Não devia, mas tem.

Parados os olhos se esfumam
No fumo da chaminé.
Devia sorrir de outro modo
o Cristo que vai de pé.

E as bocas reservam fechadas
a dor para mais além
Antigas vozes pressagas
no mastro que vai e vem.

Caminho
caminho longe
ladeira de São Tomé
Devia ser de regresso
Devia ser e não é.

(Gabriel Mariano, poeta de Cabo Verde, in 12 poemas de circunstância, 1965)


Clicar para ouvir Cesária ÉvoraTrabalhadores numa roça de São Tomé. Foto antiga retirada daqui. Clicar na imagem para ouvir Cesária Évora, em Sodade.

26 março 2007

Cerâmica de Querubim Lapa


Esta é a fotografia de um painel cerâmico chamado Os Sete Espelhos de Narciso, da autoria de Querubim Lapa, que fui roubar (a fotografia) a uma página que fala dos painéis cerâmicos de Querubim Lapa nos Hospitais da Universidade de Coimbra, do blog Conversas de Pintor, de Costa Brites.

Tanto quanto julgo saber, aqui no Porto não há muito de Querubim Lapa para ver, mas em Lisboa, sim, podem ser vistos painéis cerâmicos do grande mestre na estação do Metropolitano da Bela Vista, por exemplo, ou então um painel cerâmico relevado na parede do fundo da sala de chá da Mexicana, junto à Praça de Londres, ou ainda algumas belas obras do grande artista plástico algarvio no Museu do Azulejo, na Madre de Deus.

21 março 2007

Chegou a Primavera

Giuseppe Arcimboldo, A Primavera, óleo sobre tela, Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, Madrid



QUANDO VIER A PRIMAVERA

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)



A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, pelo Teatro de Dança de Wuppertal, com coreografia de Pina Bausch



Allegro, da Sonata "Primavera", de Ludwig van Beethoven, por Arisa Fujita, em violino, e Megumi Fujita, em piano

Águas de Março, por Elis Regina

Canto da calhandra

Canto do tordo

Canto do rouxinol

Canto do melro

19 março 2007

Perguntas incómodas


Incómodas são as perguntas que Boss AC faz neste seu videoclip, intitulado Que Deus? Incómodas, porque parecem pôr em questão a própria existência de Deus ou, pelo menos, uma certa ideia que se tem de Deus. Mas o que Boss AC põe em questão, sobretudo, é o uso que certas pessoas fazem do nome de Deus.

Afirma o rapper português no seu próprio blog, a respeito desta sua peça: «Mais do que a pôr em causa a existência do Divino, quis sim, pôr em causa as acções do Homem, que muitas vezes, por motivos duvidosos, se escondem atrás da religião para fazer o mal. (...) o que eu acho que realmente faz a diferença, é o olhar para dentro, olhar para as nossas acções e tentar no nosso dia-a-dia ser pessoas melhores. (...) E vivo a minha espiritualidade à minha maneira. E não vivo com a pretensão de saber tudo. Porque acredito que há algo acima de todos e de tudo, algo que nos escapa. Uns chamam-lhe Deus, eu chamo-lhe Destino.»

As palavras que Boss AC diz neste seu rap são as seguintes:


Que Deus?

Quem quer que sejas, onde quer que estejas
Diz-me se é este o mundo que desejas
Homens rezam, acreditam, morrem por ti
Dizem que estás em todo o lado mas não sei se já te vi
Vejo tanta dor no mundo pergunto-me se existes
Onde está a tua alegria neste mundo de homens tristes
Se ensinas o bem porque é que somos maus por natureza?
Se tudo podes porque é que não vejo comida à minha mesa?
Perdoa-me as dúvidas, tenho que perguntar
Se sou teu filho e tu amas porque é que me fazes chorar?
Ninguém tem a verdade o que sabemos são palpites
Se sangue é derramado em teu nome é porque o permites?
Se me destes olhos porque é que não vejo nada?
Se sou feito à tua imagem porque é que durmo na calçada?
Será que pedir a paz entre os homens é pedir demais?
Porque é que sou discriminado se somos todos iguais?

Porquê que os Homens se comportam como irracionais?
Porquê que guerras, doenças matam cada vez mais?
Porquê que a Paz não passa de ilusão?
Como pode o Homem amar com armas na mão? Porquê?

Peço perdão pelas perguntas que têm que ser feitas
E se eu escolher o meu caminho, será que me aceitas?
Quem és tu? Onde estás? O que fazes? Não sei
Eu acredito é na Paz e no Amor

Por favor não deixes o mal entrar no meu coração
Dou por mim a chamar o teu nome em horas de aflição
Mas tens tantos nomes, és Rei de tantos tronos
E se o Homem nasce livre porque é que alguns são donos?
Quem inventou o ódio, quem foi que inventou a guerra?
Às vezes acho que o inferno é um lugar aqui na Terra
Não deixes crianças sofrer pelos adultos
Os pecados são os mesmos o que muda são os cultos
Dizem que ensinaste o Homem a fazer o bem
Mas no livro que escreveste cada um só leu o que lhe convém
Passo noites em branco quase sem dormir a pensar
Tantas perguntas, tanta coisa por explicar
Interrogo-me, penso no destino que me deste
E tudo que acontece é porque tu assim quiseste
Porque é que me pões de luto e me levas quem eu amo?
Será que essa é a justiça pela qual eu tanto reclamo?
Será que só percebemos quando chegar a nossa altura?
Se calhar desse lado está a felicidade mais pura
Mas se nada fiz, nada tenho a temer
A morte não me assusta o que assusta é a forma de morrer

Quanto mais tento aprender, mais sei que nada sei
Quanto mais chamo o teu nome menos entendo o que te chamei
Por mais respostas que tenha a dúvida é maior
Quero aprender com os meus defeitos, acordar um homem melhor
Respeito o meu próximo para que ele me respeite a mim
Penso na origem de tudo e penso como será o fim
A morte é o fim ou é um novo amanhecer?
Se é começar outra vez então já posso morrer


in "Ritmo, Amor e Palavras"

Ver o videoclip aqui

14 março 2007

Desentendimentos


Encontrei, desgarrada numa obscura pasta do meu computador, uma pequena gravação em MP3, que em tempos andou a circular pelos emails, da estação de rádio TSF. Como acho que tem graça, resolvi dá-la a ouvir a quem me visita, na esperança de provocar, pelo menos, um sorriso.

Para escutar a gravação, que foi colocada num novo servidor, clicar na imagem acima.

11 março 2007

Merce Cunningham e John Cage



Um artigo sobre dança contemporânea, publicado pela minha amiga Phwo no seu blog "Às vezes (des)organizo-me em palavras...", refere o nome do coreógrafo norte-americano Merce Cunningham. Eu não entendo nada de dança, seja ela clássica, moderna, contemporânea, tradicional ou outra. Mas Merce Cunningham foi importante para mim, pois ele ajudou a formar a minha sensibilidade estética quando apresentou um espectáculo que nunca mais esqueci, nos já longínquos anos 60, no Cine-Teatro Vale Formoso, aqui no Porto.

Nessa altura, o bailarino e coreógrafo americano apresentou-se perante o público portuense com a sua própria companhia de dança e fez-se acompanhar pelo polémico (no mínimo...) compositor, também americano, John Cage, falecido há muito poucos anos.

Em vez de discorrer aqui sobre a obra de Merce Cunningham, tarefa para a qual não estou minimamente habilitado, resolvi partir à procura do seu nome no You Tube. Encontrei o video que abaixo apresento, intitulado Merce Cunningham digest, e encontrei, também, uma série mais longa de três videos sobre um seu bailado intitulado Beachbirds for Camera. Aconselho a que se veja este belo bailado, estando a primeira parte aqui, a segunda parte aqui e a terceira parte aqui. A música deste bailado é do já citado Jonh Cage.

John Cage foi um compositor que ultrapassou todas as barreiras e todas as convenções, sendo frequentemente chamado louco, provocador e outros epítetos menos próprios. A sua obra mais emblemática é uma peça em três andamentos chamada 4 Minutos e 33 Segundos, que é uma peça em que não se toca rigorosamente nada! O maestro António Victorino de Almeida chamou-lhe "concerto para silêncio"... O You Tube também tem um video com a (não) interpretação desta peça por uma orquestra sinfónica, o qual pode ser visto e (não) ouvido aqui.

No caso do espectáculo de Merce Cunningham a que assisti no Vale Formoso, a mais polémica peça de John Cage, ao som da qual os bailarinos dançaram, foi uma sucessão de anedotas! Assim, enquanto os bailarinos evoluíam no palco, uma voz de homem contava várias anedotas em quatro ou cinco línguas, entre elas o português. Todas as anedotas tinham a mesma duração, que era um minuto, se não me falha a memória. Se a anedota fosse comprida, era contada depressa; se fosse curta, era contada devagar. A verdade é que quase todas as anedotas tinham imensa piada e o público fartou-se de rir durante a peça...

No dia seguinte, um jornal da cidade publicou uma entrevista com John Cage, feita a seguir ao fim do espectáculo. Na entrevista, o jornalista pediu desculpa a John Cage pelo comportamento do público do Porto, dizendo que era um público atrasado, por se ter rido de uma sua peça... O compositor respondeu que o jornalista não tinha que pedir desculpa nenhuma e que, pelo contrário, até achou que o público do Porto era muito evoluído, pois aplaudiu muito o espactáculo no fim. E acrescentou: «Na semana passada, em Paris, atiraram-nos tomates e ovos podres»...

Cabe ainda dizer que o coreógrafo Merce Cunningham voltou com a sua companhia ao Porto há dois ou três anos, mas não pude assistir ao espectáculo por razões ponderosas, o que muito me entristeceu.

Para terminar, um apontamento melancólico. Ao palco do Cine-Teatro Vale Formoso, que Merce Cunningham pisou, sobem agora os pastores da Igreja Universal do Reino de Deus para fazerem exorcismos e curas milagrosas. A IURD não ficou com o Coliseu, mas ficou com o Vale Formoso. Assim acabou um cine-teatro que eu muito estimava, pois nele assisti a muitos e bons filmes durante a minha infância, além do inesquecível espectáculo de Merce Cunningham & Dance Company.

08 março 2007

Mulher

ENDECHAS A BÁRBARA ESCRAVA

Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E pois nela vivo,
É força que viva.

Luís de Camões


Uma mãe tenta consolar o seu filho no campo de refugiados de Abu Shouk, próximo de El Fasher, no Darfur, Sudão, em 25 de Agosto de 2004. Quase três anos depois, as mães do Darfur continuam a tentar consolar os seus filhos moribundos. Por quanto tempo mais? (Foto: AFP/Jim Watson)

06 março 2007

Diante de si mesmo


Ilusionismo e mímica, juntos num espectáculo de rara beleza. Aconselho vivamente o visionamento do vídeo que se segue.


05 março 2007

Rifão Quotidiano

Uma nêspera
Estava na cama
Deitada
Muito calada
A ver
O que acontecia

Chegou uma Velha
E disse
Olha uma nêspera
E zás comeu-a

É o que acontece
Às nêsperas
Que ficam deitadas
Caladas
A esperar
O que acontece

Mário Henrique Leiria, in Novos Contos do Gin


(Foto: Catálogo Rural)

04 março 2007

«Juventude eterna»



(...) O grande erro dos brancos em relação a África foi pensarem que europeizar os africanos à força era suficiente para lhes controlar os sentimentos encastoados em séculos de tradições. Os brancos nunca tiveram capacidade para entender os negros africanos, porque não quiseram na sua prosápia de civilizadores interesseiros, a Europa nunca quis e continua a não querer perceber a África e não são os imensissímos estudos feitos ao longo da ocupação branca dos territórios africanos que darão o toque de rebate para a tomada de consciência, no convencimento de que os seus valores "ocidentais" são superiores aos dos africanos. (...)

(...) Não basta dizer-se que se tem coração negro enrolado em pele branca. A inversa também vale. Nenhum branco tem o direito de vestir a pele negra simplesmente porque nunca chegou a sentir a humilhação, a exploração desumana, a ignorância atrevida, o abuso interesseiro, numa sucessão de centenas de anos, não foram escravizados e enviados para o Brasil, para os Estados Unidos ou para a Jamaica, não tiveram necessidade de mostrar um cartão assinado todos os dias pelo patrão empregador, não conheceram o chicote do diligente cipaio seu patrício, não carregaram sacos de café, não escavaram a terra em busca de diamantes. (...)

Hélder de Sousa publicou um texto com o título em epígrafe no blog Mais, Sempre Mais!, de onde retirei as passagens acima transcritas. Para se entender o contexto em que as passagens citadas se inserem e porque o texto completo merece efectivamente ser lido, recomendo uma visita à página onde ele está publicado.

02 março 2007

Vamos à ópera


Alguns trechos de ópera encontrados na Web:

Abertura da ópera "As Bodas de Fígaro", de Wolfgang Amadeus Mozart

Una furtiva lagrima, da ópera "Elixir de Amor", de Gaetano Donizetti, pela inigualável voz de Luciano Pavarotti

Toreador, da ópera "Carmen", de Georges Bizet, uma ópera que foi mal recebida na ocasião da sua estreia, por ser considerada «imoral»

Cavalgada das Valquírias, de "A Valquíria", uma das óperas que constituem a tetralogia "O Anel dos Nibelungos", de Richard Wagner

Uma ária da ópera "As Bodas de Fígaro", de Mozart, por duas grandes divas: a neozelandesa de etnia maori (polinésia) Kiri Te Kanawa e a italiana Mirella Freni

Alfredo, Alfredo, di questo cuore, da ópera "La Traviata", de Verdi, por dois dos maiores monstros sagrados da ópera no séc. XX: Maria Callas e Alfredo Kraus; gravação efectuada em 1958, no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa

Largo al Factotum, da ópera "O Barbeiro de Sevilha", de Gioachino Rossini, pelo barítono Mario Basiola (1982-1965)

Va pensiero, da ópera "Nabucco", de Giuseppe Verdi