22 junho 2007

Chegou o Verão


O Verão, de Giuseppe Arcimboldo (ca.1527-1593), óleo sobre tela, Kunsthistorisches Museum, Viena, Áustria

Óculos de Sol, de Natércia Barreto, que foram surripiados ao Malhanga. Esta canção é certamente uma das mais apropriadas à silly season que agora vai começar. É uma típica canção de praia dos anos 60. É tão má que até dá vontade de gostar dela. É puro kitsch. Para se compreender melhor a importância desta musiquinha, é preciso ter em mente a época em que ela apareceu. Nos anos de chumbo da década de 60, que foram marcados pelo início da guerra colonial e pela emigração em massa para França e Alemanha, a música portuguesa que era dada a ouvir era quase exclusivamente constituída pelo abominável "nacional-cançonetismo", como João Paulo Guerra lhe chamou. A canção Óculos de Sol, com toda a sua ingenuidade, apareceu então como um raio de luz, rompendo as pesadas nuvens que se adensavam sobre um Portugal metido num beco sem saída.

21 junho 2007

Pedro Cem


Silhueta da (erradamente chamada) Torre da Marca, também chamada Torre de Pedro Cem (designação correcta), situada em frente ao Palácio de Cristal, no Porto, onde, segundo a lenda, Pedro Cem teria visto a sua frota de navios afundar-se à entrada da Barra do Douro (Foto: TeoDias)

(...) Pedro Pedrossem da Silva foi, por corruptela do nome Pedrossem, o Pedro Cem. Nasceu no Porto, Portugal, e ai faleceu em 9 de fevereiro de 1775. Residia na Reboleira, perto do Douro. Mercador riquíssimo, diretor da Companhia dos Vinhos, Juiz de Confraria, figura imponente, era usurário e orgulhoso. Casara com dona Ana Micaela Fraga e tivera três filhos: - Luiz Pedrossem, falecido no Porto em 1730, o cônego João Pedrossem que foi Deão da Sé do Porto, e Vicente Pedrossem, rico comerciante, falecido em 1806, cavaleiro da Casa Real, casado com uma moça de excelente família, dona Maria do Ó de Caminha Ossman. Vicente Pedrossem possui uma das grandes fortunas na região do Douro.

A lenda conta que o velho Pedrossem olhando da torre da Marca avistou, entrando pela barra, suas frotilhas de naus, vindas do Brasil e das Índias, carregadas de especiarias, jóias e produtos caros. Cheio de vaidade exclamara: - Agora, mesmo Deus querendo, eu não posso ficar pobre!...

Uma brusca tempestade destruiu-lhe a frota. Pedrossem perdeu tudo quanto possuía. Sem amigos, que sua ostentação afastara, mendigava nas ruas do Porto: - Esmola para Pedro Cem que tudo teve e nada tem!...

Jamais le fait réel ne manque, escreveu Van Gennep estudando a formação das lendas. Pedrossem, de milionário faustoso, ficou pobre mas não mendigo. A diminuição de sua riqueza foi tomada como castigo ao seu desdém. O nome prestava-se e ainda havia a repetição de Pedro Pedrossem que deu o fácil e humilhado Pedro Cem, rima para "que tudo teve e hoje não tem". A venda de suas propriedades, sua retirada do grosso comércio, o retraimento social, fizeram o ambiente para a lenda. Pedrossem estava pobre mas nunca mendigou. (...)

(in Jangada Brasil - nº 23 - Julho 2000, onde se pode ler uma interessantíssima narrativa em verso, da autoria do poeta popular brasileiro João Martins de Ataíde, impressa em Recife, Pernambuco, em Junho de 1932; recomendo vivamente a leitura deste poema)

19 junho 2007

Racismo é burrice


Racismo é burrice é o título de um videoclip de Gabriel, O Pensador, gravado ao vivo para a MTV. Há muito tempo que eu já não ouvia o Gabriel. Ei-lo aqui em grande forma.

17 junho 2007

"Townshipwall Nº 611", de António Ole


"Township Wall Nº 611", montagem de chapas, portas, janelas e outros materiais reciclados, de António Ole (n. 1951), artista plástico de Angola

13 junho 2007

Desejos vãos

Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a Árvore tosca e tensa
Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol, altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...

Florbela Espanca



(Foto: al-Farrob)

08 junho 2007

Os berrões


O berrão mais conhecido é a chamada "porca de Murça" (Foto: Fernanda Maria)


Berrões são esculturas pré-romanas de pedra que representam animais e que podem ser encontradas no Nordeste de Portugal (Trás-os-Montes e Beira Interior), assim como nas regiões vizinhas de Espanha. Estas esculturas são atribuídas a uma tribo céltica, a dos Vetões, e terão sido esculpidas entre os séc. IV e I a.C. As suas formas são frequentemente pouco definidas, tanto por inabilidade do escultor, como pela antiguidade das esculturas, e há uma certa dificuldade, muitas vezes, em identificar o animal representado, que tanto pode ser um porco, como um urso ou um touro, por exemplo.

A palavra berrão vem de "varrão", palavra que significa porco macho não castrado e empregue na cobrição das fêmeas.

O berrão mais conhecido de todos é a chamada "porca de Murça", que se ergue no centro de uma praça da vila de Murça. Por seu lado, o pelourinho da cidade de Bragança, que se encontra na Cidadela, está assente sobre um berrão, que é chamado "porca da vila". Na aldeia histórica de Castelo Mendo, pertencente ao concelho de Almeida e que fica entre a Guarda e Vilar Formoso, há um berrão de cada lado da porta existente nas muralhas da povoação; estes dois berrões não têm cabeças, que lhes foram tiradas porque o gado se sentia intimidado por eles e não entrava pela porta!

O pelourinho de Bragança assenta sobre um berrão, chamado "porca da vila" (Foto: Marius)

04 junho 2007

O Senhor da Pedra


A capela do Senhor da Pedra, na praia de Miramar, Gulpilhares, Vila Nova de Gaia (Foto: valter hugo mãe)


Aqui na região do Porto, nesta época do ano é assim: mal acaba uma festa, começa logo outra. Ainda a festa ao Senhor de Matosinhos não arrefeceu, ainda a Campa do Preto está engalanada pela festa feita em honra do escravo mártir, logo uma nova festa começa, a do Senhor da Pedra. E muitas outras se seguirão, é claro, com particular destaque para a festa rija do São João na própria cidade do Porto.

A festa dedicada ao Senhor da Pedra, na freguesia de Gulpilhares, em Vila Nova de Gaia, merece um destaque especial, tanto pelo local em que decorre, como pela grande devoção de que terá sido alvo no passado. O local da festa é uma capela de planta hexagonal erguida sobre um rochedo batido pelo mar na praia de Miramar. A capela que lá está agora data mais ou menos da época do rei D. João V, mas o local em que ela se ergue foi objecto de remotas crenças pagãs. Antes da capela actual, é de admitir que outros templos, pagãos e cristãos, tenham existido naquele rochedo.

Só o próprio facto de uma capela se erguer num local tão junto ao mar, sem que seja destruída por este nos dias de maior temporal, já parece um milagre. Não admira, por isso, que ela tenha sido o centro de um fervoroso culto.

A importância que a romaria ao Senhor da Pedra teve no passado é testemunhada pela existência, num raio de muitos quilómetros em redor, de cantigas de romaria que lhe são dedicadas. Há cantigas ao Senhor da Pedra em localidades como Cinfães e Paredes, entre muitas outras. Quer isto dizer, portanto, que acorriam às festas do Senhor da Pedra muitos romeiros vindos de muito longe, que formavam ranchos e rusgas e iam a pé pela estrada fora, cantando, dançando e tocando bombos, ferrinhos, cavaquinhos, concertinas, rabecas, violas ramaldeiras e braguesas, etc.

Por muito que tenha procurado, não encontrei na Net gravações de cantigas ao Senhor da Pedra. Seja como for, as danças e cantigas que apresento a seguir também eram certamente cantadas e dançadas pelos romeiros que seguiam a caminho de Miramar, pois são danças e cantares de romaria típicos do Douro Litoral.

Regadinho, pelo Rancho Folclórico "As Lavradeiras do Minho do Cantão de Vaud", constituído por emigrantes portugueses na Suíça

Malhão, por um tocador de concertina não identificado

Cana Verde, pelo grupo Maio Moço

02 junho 2007

El Greco


El Greco, Vista de Toledo, óleo sobre tela, The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque


Repare-se no quadro reproduzido acima. Por mais moderno que pareça, ele foi pintado há precisamente 410 anos! Ninguém diria! O seu autor é um pintor, escultor e arquitecto grego nascido em Creta em 1541 e falecido em Espanha em 1614. O seu nome verdadeiro era Domenikos Theotokópoulos, mas o seu nome artístico era, simplesmente, El Greco, nome pelo qual ele é conhecido em todo o mundo. El Greco foi sem dúvida um dos mais importantes pintores europeus de sempre.

À vista deste quadro fantasmagórico e de outros quadros seus que mostram pessoas de corpos alongados e de músculos contorcidos, houve quem dissesse que El Greco deveria sofrer de uma qualquer doença mental, à semelhança de Van Gogh. Outros disseram que ele deveria ter um problema qualquer na visão, que o faria ver o mundo distorcido e alongado. O mais provável, no entanto, é que El Greco tivesse uma visão normal e regulasse bem da cabeça.

Na verdade, o estilo de El Greco reflecte as influências recebidas na sua Grécia natal, através dos ícones da Igreja Ortodoxa Grega, e em Itália, onde ele privou com alguns grandes nomes do Renascimento, como Miguel Ângelo. El Greco pegou nestas influências e transmitiu-lhes um cunho muito pessoal e de acordo com os cânones da arte maneirista. Como escrevi uma vez, o maneirismo cultivava a distorção e o exagero, em contraste com a perfeição renascentista.

A modernidade da obra de El Greco pode ser evidenciada na pintura "A Abertura do Quinto Selo" que a seguir se reproduz. Esta pintura representa uma passagem bíblica do Apocalipse, em que se vê, em primeiro plano, São João Evangelista e, mais atrás, algumas almas recebendo o manto da Salvação. Esta pintura de El Greco é tão moderna que serviu de inspiração a Pablo Picasso para a sua obra-prima cubista "Les Demoiselles d'Avignon", que se mostra mais abaixo.



El Greco, A Abertura do Quinto Selo, óleo sobre tela, The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque



Pablo Picasso, Les demoiselles d'Avignon, óleo sobre tela, Museum of Modern Art, Nova Iorque

01 junho 2007

Dia Mundial da Criança

UM DIA

Um dia,
A menina
Gotinha de Água,
Vestida de esmeralda
E luar, estava a dormir,
A sonhar
A flor
Do mar.
Então,
O Sol
Beijou-a
Na face,
E logo ela
Como se voasse
Subiu no ar.
Como se sentia leve!
Subiu,
Subiu,
Subiu
Até que se viu
Numa nuvem
Cor-de-rosa.

Papiniano Carlos


(Foto de autor desconhecido)