10 agosto 2007

Liberdade

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen

09 agosto 2007

Memória de acontecimentos terríveis


A Igreja da Memória ou de Nossa Senhora do Livramento, Lisboa (Foto: http://www.tomasradil.net/)


A Igreja da Memória, em Lisboa, é um templo neoclássico de grande beleza, tanto por fora como por dentro. Fica situada na parte ocidental de Lisboa, perto do Mosteiro dos Jerónimos. Ela foi há poucos anos reaberta ao culto completamente restaurada, depois de ter sido seriamente danificada pela queda de um raio. Numa sua dependência, desprovida de símbolos religiosos, encontram-se os restos mortais do Marquês de Pombal.

Esta linda igreja foi mandada construir pelo rei D. José, em memória do atentado de que foi alvo naquele mesmo local, numa noite em que regressava de um encontro amoroso com Dona Teresa de Távora e Lorena, pertencente à poderosa família Távora. O rei não foi morto no atentado, mas ficou ferido num braço.

O incidente foi aproveitado pelo Marquês de Pombal para dirigir um devastador e mortífero ataque ao poder e influência da alta nobreza em geral e dos Távoras em particular. Fazendo-o, Sebastião José de Carvalho e Melo reforçou o seu próprio poder pessoal como despótico primeiro-ministro de D. José, talvez o rei mais inútil de toda a história de Portugal (D.Afonso VI não conta, porque era deficiente mental).

Nunca ficou completamente esclarecido se os Távoras tiveram ou não alguma responsabilidade no sucedido. Há quem diga que D. José poderá ter sido vítima de uma tentativa de assalto, sem qualquer relação com os Távoras, porque era de noite e ele viajava incógnito e sem escolta. O que é certo é que os elementos mais importantes da família Távora foram torturados e executados com requintes de ferocidade. Outros membros da família foram compulsivamente internados em conventos. Os bens da família foram confiscados. O brasão dos Távoras foi apagado, por picagem, das fachadas dos palácios que eles possuíam espalhados pelo país, como, por exemplo, o palácio do Duque de Aveiro em Vila Nogueira de Azeitão, no concelho de Setúbal, ou o Palácio dos Távoras em Mirandela, onde está agora instalada a Câmara Municipal da cidade.

Deixemos a Igreja da Memória e desçamos a Calçada do Galvão, passando ao lado do Jardim Agrícola Tropical, que é um dos jardins mais agradáveis de Lisboa. Viremos à esquerda, para a Rua de Belém. Imediatamente antes da casa dos pastéis de Belém, encontramos um pequeno beco irregular chamado Beco do Chão Salgado.

Era ali, no Beco do Chão Salgado e zona envolvente, que ficava o palácio dos Távoras em Lisboa. Este palácio foi mandado arrasar pelo Marquês de Pombal. O chão sobre que assentava o palácio foi salgado, para que nada mais pudesse crescer ali. Foi ainda colocada no local uma coluna de pedra com cinco anéis esculpidos, correspondentes aos cinco membros da família Távora executados em Belém. A coluna ainda lá está, a um canto do beco, praticamente encostada a umas casas. Na sua base, pode ler-se a seguinte inscrição:

"AQUI FORAO AS CASAS ARAZADAS E SALGADAS DE JOZE MASCARENHAS EX AUTHORADO DAS HONRAS DE DUQUE DE AVEIRO E OUTRAS E CONDEMNADO POR SENTENÇA PROFERIDA NA SUPREMA JUNTA DA INCONFIDENCIA EM 12 DE JANEIRO DE 1758 JUSTIÇADO COMO HUM DOS CHEFES DO BARBARO E EXECRANDO DESACATO QUE NA NOITE DE 3 DE SETEMBRO DE 1758 SE HAVIA COMMULADO CONTRA A REAL E SAGRADA PESSOA DE EL REI NOSSO SENHOR D. JOZE. NESTE TERRENO INFAME SENÃO PODERA EDIFICAR EM TEMPO ALGUM."

Apesar de ter ficado expresso que «neste terreno infame se não poderá edificar em tempo algum», a quantidade de casas que rodeiam a coluna mostra até que ponto é que a população de Lisboa desobedeceu à ordem deixada pelo Marquês para toda a eternidade... Só faltou construirem uma casa mesmo em cima da coluna... Já não há respeito!

Mas ainda bem que assim foi. Em vez de só termos ali um terreno vazio e estéril, temos os deliciosos pastéis de Belém mesmo ao lado do Beco do Chão Salgado.



A coluna de pedra no Beco do Chão Salgado, Lisboa (Foto: oceusobrelisboa)

07 agosto 2007

N'um batuque

N'um batuque hontem andei,
onde vi certa morena,
tão gentil era a pequena
que nem eu dizel-o sei
- Como está? lhe perguntei
logo que de perto a vi,
- Quer dansar? lhe repeti,
não se acanhe minha bella, -
- tunda bobo, me disse ella,
Ou antes: - Saia d'aqui
- Seja meu par, oh menina
não se zangue por tão pouco; -
- Uá salúcia, é você um louco,
Gámessenâ'me qu'quina
- D'esse olhar a luz divina
fascinado me deixou!
se um beijinho, só, lhe dou
gozarei prazer infindo, -
- Quicolá, me disse, rindo,
logo de mim, se affastou.
- Por que foge? venha cá,
porque só me deixa aqui? -
- Uá móno... mundele inhi...
Guamiâme... ndé cuná
- Por favor, não se vá já,
é ainda, muito cedo, -
- Quiússuca, disse a medo
a moreninha tão linda
Caté mungo, disse ainda,
e retirou-se em segredo...

Eduardo Neves (1855-?), poeta de Angola


TENTATIVA DE GLOSSÁRIO DOS TERMOS EM QUIMBUNDO

Tunda bobo - Saia daqui
Uá salúcia (Wasalusya) - Endoideceu
Gámessenâ'me qu'quina (Ngamesenami kukina) - Não quero dançar
Quicolá (Kikola) - Não pode ser
Uá móno (Wamono) - Viu
Mundele inhi (Mundele inyi) - Que branco
Guamiâme (Ngwamyami) - Não quero
Ndé cuná (Nde kuná) - Vá para ali, vá para longe
Quiússuca (Kyusuka) - Acabou (?)
Caté mungo (Katé mungu) - Até amanhã



Elogio do Ritmo, têmpera sobre papel, 2000, de Eleutério Sanches, artista angolano

03 agosto 2007

Arte papua


Pintura no tecto de uma casa destinada a abrigar espíritos, no vale do Rio Sepik, Papua Nova Guiné (Foto: Galen R Frysinger)

01 agosto 2007

O cinema duplamente enlutado


Sessão de cinema no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, em Maio de 1953 (Foto: Cinemas do Porto)


Em menos de 24 horas, morreram dois dos mais brilhantes cineastas europeus de sempre: o sueco Ingmar Bergman e o italiano Michelangelo Antonioni.

Enquanto que a obra de Antonioni aborda, sobretudo, a vida moderna, a desumanização que a caracteriza e os problemas por ela provocados nas relações entre as pessoas, os filmes de Bergman têm um carácter quase místico, com a Morte a desempenhar um papel de particular importância.

Testemunhemos a originalidade e a criatividade destes dois grandes realizadores, assistindo às cenas que se seguem, de dois dos seus filmes mais importantes.

Cenas do filme Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman:



Cenas do filme Blow-up, de Michelangelo Antonioni: