07 outubro 2011

Dois poemas de Geraldo Bessa Victor

ADEUS, IRMÃO BRANCO!

ADEUS, meu irmão branco, boa viagem!

Chegou a hora de você voltar
para a Europa, a sua terra.
Quando você chegar, há-de falar
dos encantos que encerra
esta África Negra, tão distante,
tão distante, irmão branco...
Pois eu quero, neste instante
da partida, pedir-lhe uma promessa:
-- Não se esqueça da alma do negro,
não se esqueça!

Você há-de falar das terras africanas,
da mata e da cubata,
dos montes e das chanas;
mas não se esqueça da alma.
Você há-de falar do sol fogoso,
das caçadas e queimadas,
das noites que viveu em batucadas
no mais feiticeiro gozo;
mas não se esqueça da alma.

Vai falar do café, do algodão, do sisal,
da fruta tropical, enfim, de toda a flora;
mas não se esqueça da alma.
Você há-de falar dos negros no seu mato,
da negra tentadora
de corpo sensual,
mostrando até retrato;
mas não se esqueça da alma.

Adeus, meu irmão branco! Lá na Europa,
quando falar da tropical paisagem,
não se esqueça da alma do negro.

Adeus, meu irmão branco, boa viagem!

Geraldo Bessa Victor

O MENINO NEGRO NÃO ENTROU NA RODA

O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas -- as crianças brancas
que brincavam todas numa roda viva
de canções festivas, gargalhadas francas...

O menino negro não entrou na roda.

E chegou o vento junto das crianças
-- e bailou com elas e cantou com elas
as canções e danças das suaves brisas,
as canções e danças das brutais procelas.

E o menino negro não entrou na roda.

Pássaros, em bando, voaram chilreando
sobre as cabecinhas lindas dos meninos
e pousaram todos em redor. Por fim,
bailaram seus voos, cantando seus hinos...

E o menino negro não entrou na roda.

«Venha cá, pretinho, venha cá brincar»
-- disse um dos meninos com seu ar feliz.
A mamã, zelosa, logo fez reparo;
o menino branco já não quis, não quis...

E o menino negro não entrou na roda.

O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas. Desolado, absorto,
ficou só, parado com olhar de cego,
ficou só, calado com voz de morto.

Geraldo Bessa Victor (1917-1990), poeta de Angola


(Foto de autor desconhecido)

Comentários: 4

Blogger Celina Dutra escreveu...

Alguns poemas africanos mexem profundamente comigo. São pungentes e leves. Parecem de alma que sangra, mas extraídos com alegria. Não conhecia os poemas que trouxe, nem o poeta. Obrigada! São Lindíssimos! A foto é doce e encantadora.
Girassóis nos seus dias!
Beijos

07 outubro, 2011 22:59  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Cara Celina,
Eu julgo que Geraldo Bessa Victor não é muito conhecido por razões políticas, pois as suas qualidades poéticas são evidentes.

Quando eu tinha cerca de 14 anos de idade, talvez, falei pessoalmente com Geraldo Bessa Victor. Não me lembro dos assuntos falados, como é natural, mas a situação em Angola foi, com toda a certeza, um deles. Por um lado, a guerra colonial já tinha começado; por outro, fiquei com a sensação muito vincada de que ele era um convicto apoiante da ditadura de Salazar e da sua política colonial. Geraldo Bessa Victor era, portanto, um firme opositor à independência das colónias portuguesas.

Por muito estranho que esta sua posição possa parecer, lembro que Geraldo Bessa Victor não foi o único intelectual originário de uma colónia portuguesa a apoiar o colonialismo. O são-tomense Francisco José Tenreiro, que muitos consideram ser o maior poeta da Negritude em língua portuguesa, também acabou por apoiar o regime colonial e foi mesmo mais longe do que Geraldo Bessa Victor, pois chegou a ser deputado pelo partido único da ditadura.

O que se passa dentro da cabeça de certas pessoas, que as leva a tomar atitudes que parecem contradizer tudo o que dizem e fazem? Mistério. Geraldo Bessa Victor era uma destas pessoas, cheias de contradições. A poesia que criou, por exemplo, é um exemplo de contradição, pois a sua forma é muito conservadora, quase arcaica, enquanto os temas abordados foram quase revolucionários para a época em que foram escritos. O poema "O menino negro não entrou na roda", nomeadamente, foi publicado na década de 40 do século passado. Nesse tempo, nenhum poeta africano se atrevia a abordar a questão do racismo com a frontalidade que Bessa Victor mostrou neste poema. Portanto, não será exagero nenhum afirmar que Geraldo Bessa Victor foi um pioneiro, pelo menos a nível dos temas que abordou. Foi ele que apontou o caminho que muitos outros poetas africanos de língua portuguesa iriam seguir nas décadas seguintes. Este facto, por si só, é razão mais do que suficiente para que a obra poética de Geraldo Bessa Victor seja mais divulgada e conhecida, independentemente das opções políticas que o poeta tomou. É tempo de pôr de lado os pruridos ideológicos e reconhecer, por fim, o valor da poesia de Geraldo Bessa Victor.

Na coluna da esquerda do site seguinte estão links para vários poemas de Geraldo Bessa Victor: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/geraldo-bessa-victor/geraldo-bessa-victor.php.

08 outubro, 2011 02:38  
Blogger Artur Bessa-Victor Chaves escreveu...

Obrigado por compartilhar a obra do meu saudoso tio-avô. Ele era também neto do famoso General afro-napolitano Geraldo Antonio Victor -1835-1894, conhecido por "Kinjangu" que teve um papel determinante na pacificação de Angola no séc XIX. Embora sendo ele o principal responsável pelo contexto geopolítico de Angola que perdurou até hoje, também ele foi esquecido...
Apenas a titulo de curiosidade, seus descendentes estão espalhados por Luanda, Benguela, Portugal, Cabo-Verde, Macau, França, Alemanha, Reino Unido...

Um dos muitos livros que referem o seu nome:
https://books.google.pt/books?id=fYNAwHP4dZQC&pg=RA1-PA57&lpg=RA1-PA57&dq=general+geraldo+antonio+victor&source=bl&ots=kXtKi9srsh&sig=begG_LSD8D-18ppozIb60oSHJ5E&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwjejLGc_cLMAhWJMBoKHYKzB9sQ6AEINzAF#v=onepage&q=general%20geraldo%20antonio%20victor&f=false

05 maio, 2016 14:09  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Prezado Artur Bessa-Victor Chaves,

Muito obrigado pelas suas palavras e pela sua achega, que muito enriquece este modesto espaço.

Eu sabia que Geraldo Bessa-Victor era descendente de um general negro ou mestiço, que desempenhou um papel determinante na extensão da soberania portuguesa a uma parte substancial do território angolano, com destaque para as terras de Malanje e Ambaca, segundo creio. O papel desempenhado por esse militar foi tal, que ele foi promovido a general do Exército Português! Eram outros tempos, aqueles, em que uma elite crioula florescia em Angola, a qual definhou e praticamente morreu a seguir à implantação da República em 1910.

Isto era tudo quanto eu sabia, o que era bastante vago. A internet também não esclarece muito mais, o que é profundamente lamentável. No meio de tanta superficialidade e vacuidade que por esta internet fora se encontra, seria de esperar, mesmo assim, que houvesse informação mais concreta e detalhada sobre tão interessante e importante personalidade. Infelizmente, parece que não há.

Muito obrigado, mais uma vez, pela sua visita. Volte sempre que desejar.

06 maio, 2016 00:17  

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