15 novembro 2011

Entre as praias da Adraga e da Ursa, Sintra

(Foto: Rui Abreu)

Um dos trechos mais belos da costa continental portuguesa é, sem sombra de dúvida, o trecho situado a norte do Cabo da Roca, sobretudo aquele que fica compreendido entre a Praia da Adraga, a norte, e a Praia da Ursa, a sul, incluindo estas duas maravilhosas praias. Nem mesmo na Costa Vicentina e na do Sudoeste Alentejano conseguimos encontrar trechos que sejam mais belos do que este de Sintra.

O passeio que se pode fazer ao longo deste trecho, percorrendo o alto da falésia, é curto mas deslumbrante. Recomendo, a quem o quiser fazer, que parta da Praia da Adraga e regresse a ela. Se durante o passeio pretender descer à Praia da Ursa, pode fazê-lo, embora possa correr algum (pouco) risco; a extraordinária pureza e a enorme beleza desta pequena praia compensam sobejamente o esforço e a ginástica feitos.

Como descrição do passeio, valho-me das palavras que Raul Proença escreveu no seu enciclopédico Guia de Portugal, obra incomparável que Sant'Anna Dionísio completou. Partindo da Praia da Adraga, em Almoçageme, sigamos pois a descrição que foi feita há muitas dezenas de anos por Raul Proença.

«(...)
Volvendo alguns metros atrás e subindo à dir. por uma vereda aberta num monte coberto de zimbro, achamo-nos na plataforma abrupta sobranceira ao oceano, no alto das fragas silenciosas. Ali vamos admirar um dos mais soberbos trechos que pedras e águas, no seu embate eterno, recortaram ainda em costas atlânticas. Vem primeiro, entre duas rochas enormes, talhadas a pique, a Praia do Cavalo, que dá, com todo o frisson da grandeza, a impressão de uma paisagem das Berlengas -- o mesmo aspecto da falésia, a mesma pequenez da língua de areia, a mesma atracção de sonho e de mistério lá no fundo abismo temeroso e glauco. Em seguida, o chamado Fojo (...) escancara a boca hiante e negra. É um enorme funil fechado ao cimo em toda a volta, e do alto do qual nos debruçamos em vista horripilante para um medonho recesso onde as águas em fúria galgam as rochas e fazem soar um estampido de inferno. Solta-se os olhos do abismo fugindo à vertigem, e fica-se surpreendido ao ver o mar quase verde, orlado mais ao largo por uma franja de azul turmalina, enquanto do lado oposto refulge a casaria de Almoçageme, e no último plano o Castelo da Pena ergue no ar fino e transparente o seu altivo diadema. Para o norte segue a linha dourada da costa até à Ericeira, franjada de espuma, golpeada de pequenas abras e enseadas solitárias, até se fundir, ao longe, indecisa e diáfana, no azul do céu. -- A poucos passos a Pedra de Alvidrar (...), imensa penedia quase a prumo(...).

Mas é adiante da Pedra de Alvidrar que o aspecto da costa atinge a sublimidade na decoração fantástica. Mais do que nunca também o mar é verde. Diante dos olhos extasiados recortam-se contornos cenográficos, agulhas, pináculos, castelos medievais debruçados sobre abismos, eriçados cantábricos babujados pela nívea espuma. Um dos leixões (Pedra da Ursa) ergue-se isolado no mar, e toma o feitio de uma pirâmide; outros têm formas humanas, e num deles descobre-se mesmo a cara dum gigante, com os olhos, a testa, o mento, a boca fortemente acusados; no alto de outro, finalmente, parece que poisou agora mesmo uma ave marinha, e que está à espera de desferir voo pela amplidão sem fim. À luz viva do sol, o tom branco das rochas que se pegam à terra firme dá-lhes a aparência de estarem cobertas de neves eternas. Por fim, no extremo do cenário, e quebrando-lhes talvez um pouco o encanto, um farol -- o da Roca.

Continuando a percorrer a plataforma erguida sobre as ondas, em certa altura vemos lá ao fundo um dos mais belos aspectos desta admirável sucessão de paisagens. É a Praia da Ursa. Para ir até lá, há que descer uma íngreme colina, e seguir a margem dum pequeno ribeiro que vai desaguar nesse ponto da costa. (...)»

Raul Proença, in Guia de Portugal, I Volume, Generalidades -- Lisboa e Arredores

Acrescente-se que a Pedra de Alvidrar é um gigantesco paredão, em rampa inclinada para o mar, que era usado no tempo dos romanos como local para julgamentos, de onde se atiravam os acusados de crimes. Se sobrevivessem, considerava-se que estavam inocentes; se não, teriam sido mesmo culpados!


Eu não conheço a pessoa que aqui se vê. Encontrei esta fotografia na Web e coloquei-a aqui para dar uma ideia da beleza e das dimensões da paisagem entre Adraga e Ursa. A pessoa chama-se Dina Vieira e edita um saborosíssimo blogue chamado O Garfo Mágico.

Comentários: 2

Blogger Celina Dutra escreveu...

Fernando querido,

Vou anotar a sugestão! Na próxima vez que andar por aí, vou fazer esse passeio!
Girassóis nos seus dias. Beijos

15 novembro, 2011 16:17  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Cara Celina,
A melhor época para se passear por estas falésias é a primavera. No outono também há muitos dias propícios a um belíssimo passeio; foi por isso que publiquei este artigo agora, embora o outono já comece a ficar bastante adiantado. O inverno é de evitar por razões evidentes (embora esta costa tenha uma beleza muito especial nos dias cinzentos e de chuva; já andei por lá num dia assim e gostei muito) e no verão há muito frequentemente, nesta costa, ventanias furiosas e nevoeiros impenetráveis por causa da vizinhança com a Serra de Sintra.

Depois de ter publicado a última foto, é que me apercebi de que a pessoa fotografada não se encontra, propriamente, entre as praias da Ursa e da Adraga, mas sim um pouco mais para norte, entre a Adraga e a Praia Grande. De qualquer modo, a imagem ao fundo é do trecho a que se refere este artigo. Além da espantosa vista que se pode admirar na foto, este outro trecho entre a Adraga e a Praia Grande permite ter uma visão do alto sobre a Praia Grande que é verdadeiramente magnífica, sobretudo quando o mar está agitado. É, portanto, um outro trecho a percorrer, embora o resto do trajeto tenha pouco ou nenhum interesse.

21 novembro, 2011 17:46  

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