30 junho 2012

Música africana para este fim de semana

28 junho 2012

Pensamentos de Rousseau

O filósofo Jean-Jacques Rousseau nasceu há exatamente 300 anos

«É a fraqueza do homem que o torna sociável; são as nossas mi­sérias comuns que levam os nossos corações a interessar-se pela humanidade: não lhe deveríamos nada, se não fôssemos homens. Todos os afetos são indícios de insuficiência: se cada um de nós não tivesse necessidade dos outros, nunca pensaria em unir-se a eles. Assim, da nossa própria enfermidade, nasce a nossa frágil felicidade. Um ser verdadeiramente feliz é um ser solitário; só Deus goza de uma felicidade absoluta; mas qual de nós faz uma ideia do que isso seja? Se algum ser imperfeito se pudesse bastar a si mesmo, de que desfrutaria ele, na nossa opinião? Estaria só, seria miserável. Não posso acreditar que aquele que não precisa de nada possa amar alguma coisa; não acredito que aquele que nada ama se possa sentir feliz.»

«As cartas de amor começam sem saber o que se vai dizer, e terminam sem saber o que se disse.»

«O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer "isto é meu" e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao género humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes: "Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém".»

«A fingida caridade do rico não passa, da sua parte, de mais um luxo; ele alimenta os pobres como cães e cavalos.»

«Nunca se conseguirá ser sábio se primeiro não se foi traquinas.»

«De todos os animais, o homem é aquele a quem mais custa viver em rebanho.»

«A inocência não se envergonha de nada.»

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

23 junho 2012

Noite de São João no Porto

Na noite de São João, as luzes de muitos balões iguais a este juntam-se às das estrelas no céu. É um milagre de São João: o céu fica com mais estrelas do que nas outras noites do ano (Foto de autor desconhecido)

S. João, a festa do povo

Longe de qualquer tradição religiosa, o S. João é o cheiro a gente, a poesia popular e a paixão eternizada pelo erotismo dos cravos, outrora oferecidos às raparigas.

As ruas enchem-se de transeuntes que, em ritmo de passeio, aproveitam para dar uma ou outra martelada na cabeça do vizinho, mas poucos são aqueles que conhecem as verdadeiras origens do S. João, no qual a sardinha assada não é rainha.


“Ver o sol nascer, apanhar as orvalhadas e saltar às fogueiras”

As verdadeiras origens da festa estão intimamente ligadas ao culto do sol, da natureza, do fogo e da fecundidade. Segundo Hélder Pacheco, as referências às festas de S. João começaram a sentir-se nitidamente no século XIX. “A cidade era, então, mais pequena”, recorda, explicando que, na altura, o S. João consistia em três festas: uma no Bonfim, uma na Lapa e outra em Cedofeita.

Ainda assim, rapidamente se transformou numa “festa de ruas, ruelas e bairros”. Hélder Pacheco contou até que estão arquivados, na cidade, centenas de milhares de pedidos de autorização para a realização de arraiais, nos mais diversos sítios.

Apesar de, atualmente, o cheiro a sardinhas assadas ser um dos odores mais fortes do S. João, “o prato típico era o anho ou o cabrito assado com batatas”. “A sardinha nada tem a ver com a tradição do S. João do Porto. É a feira popular que a adiciona à festa”, garantiu. O historiador revelou ainda que, no espírito original da festividade, “o S. João é ver o nascer do sol, apanhar as orvalhadas e saltar às fogueiras”, ações ligadas aos cultos da natureza e da fertilidade. De salientar ainda a forte presença do culto das plantas, que atribuiu uma simbologia a cada uma delas. “O alho porro transformou-se num protetor e o cravo, por exemplo, era oferecido pelos homens às mulheres, tendo um significado erótico”, contou Hélder Pacheco.


“O S. João nunca foi uma festa católica”

Errado é também pensar que esta festa, de cores, cheiros e sabores, apresenta uma base religiosa, em homenagem a um santo. “O S. João nunca foi uma festa católica”, explicou, à Viva, o historiador Hélder Pacheco. “É uma festa pagã, dedicada ao solstício de Verão”, acrescentou, frisando que, ao contrário do que se podia ler numa campanha espalhada pela cidade do Porto, o S. João não tem 100 anos. “As referências [à festa] são da Idade Média. Já Fernão Lopes falou do S. João. O que se verificou há 100 anos foi a escolha do feriado”, apontou Hélder Pacheco.

O historiador explicou, então, que a Igreja, “muito habilmente, fez coincidir a festa do nascimento de S. João Batista com a data do solstício”, de modo a atribuir-lhe um cariz religioso. (...)

Texto de Mariana Albuquerque, descaradamente roubado ao blogue Gaivota Maria.

21 junho 2012

O verão já chegou

Colheita — Ceifeiras, óleo sobre tela (c. 1893) de António Carvalho da Silva Porto (1850-1893), Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto



La Mer, por Charles Trenet

16 junho 2012

Ainda

As nossas frases estão cheias de picadas
de minas a explodir nos substantivos
por dentro do silêncio há emboscadas
não sabemos sequer se estamos vivos.
Os helicópteros passam nas imagens
a meio de uma vírgula morre alguém
e os jipes destruídos estão nas margens
do papel onde talvez para ninguém
se vão escrevendo estas mensagens.
Manuel Alegre



Mesmo junto à porta de armas do quartel da companhia do Mucondo, no norte de Angola, existia um cemitério onde repousavam os restos mortais de diversos militares portugueses. Esta fotografia foi certamente feita nesse local (Foto de autor desconhecido)

15 junho 2012

O uluri

Casal de índios do Brasil (Foto: Jean Manzon)

Estaria esta índia vulnerável, com o seu corpo assim exposto, se não tivesse um homem a protegê-la junto se si? Não estaria. Por estranho que possa parecer, mesmo nas ocasiões em que não tem quem a proteja por perto, ela está mais resguardada assim do que se vestisse uma burqa. Ela tem um uluri.

(Foto de autor desconhecido)

O que é um uluri? De acordo com a explicação que encontrei na Internet, nomeadamente no Portal Mato Grosso, o uluri é uma peça pertencente à indumentária das índias do grupo etno-linguístico Karib, do qual fazem parte as etnias Bakairi, Nahuqua, Kuikuru, Kalapalo, Awetö e outras, do Brasil e países vizinhos. É uma pequenina tanga, se assim lhe podemos chamar, que tem a forma aproximada de um triângulo e que é feita de entrecasca de árvore. Também pode ser uma concha. O triângulo está inserido num cinto de fios de buriti e é usado por cima da púbis. Do vértice inferior do triângulo sai um fio, que passa por entre as pernas e vem prender-se ao cinto atrás das costas. Nenhum homem índio tem permissão para tocar numa índia que envergue um uluri. O uso regular do uluri inicia-se por ocasião dos rituais da puberdade feminina, quando a moça, trazendo-o vestido, dança com um índio visitante ao som do uruá, a flauta de taboca.

(Foto de autor desconhecido)

Uma explicação para o uso desta tanguinha que «deixa tudo de fora» é também dada no seguinte trecho do filme Kuarup, do moçambicano Ruy Guerra, que é um dos realizadores mais importantes do Cinema Novo brasileiro.


Resumindo, o uluri constitui uma proteção para as índias. Garante-lhes que a sua intimidade é controlada unicamente por elas e por mais ninguém. Por muito frágil que seja, esta proteção é escrupulosamente respeitada pelos homens índios, como se o uluri fosse um férreo cinto de castidade.

***

(Foto de autor desconhecido)

A beleza das índias sempre inspirou poetas e cantores, que a elas dedicaram versos e canções. A conhecida canção paraguaia India, que foi gravada por muitos e variados artistas, como Luis Alberto del Paraná y Los Paraguayos, a brasileira Gal Costa ou a grega Nana Mouskouri, é um exemplo disto mesmo. Escutemos esta música num excelente solo de harpa paraguaia, por Miguel Ángel Ramírez.

12 junho 2012

Maria Keil (1914-2012)

Painel de azulejos de Maria Keil na Avenida Infante Santo, Lisboa. Este painel deve também ser visto de longe, para que se possam observar devidamente os efeitos visuais que a grande artista algarvia, falecida no passado dia 10 de junho, propositadamente produziu com os elementos em losango que servem de fundo ao painel, mas que não são só decorativos (Foto: Mário Marzagão)

10 junho 2012

As relações históricas entre Portugal e a Tailândia

Cartaz de uma exposição realizada no Museu de Sião, em Bangkok, Tailândia, entre 16 de fevereiro e 29 de abril de 2012

Completaram-se em 2011 quinhentos anos sobre a chegada dos primeiros portugueses ao Reino de Sião, atual Tailândia. Alguém em Portugal soube disto? Os tailandeses não se esqueceram de assinalar este facto histórico. E os portugueses?

Na verdade, para os tailandeses, assim como para os habitantes de muitos outros países asiáticos, Portugal não é apenas o país de Cristiano Ronaldo. Os tailandeses — tal como indianos, cingaleses, chineses, indonésios, japoneses e outros mais — sabem quem foi Vasco da Gama ou Afonso de Albuquerque, sabem localizar Portugal no mapa, usam numerosas palavras de origem portuguesa na sua língua, etc. Eles conhecem-nos e interessam-se por nós, portugueses. E nós? O que sabemos deles?

Não sabemos, por exemplo, que no dia 10 de agosto de 1511 Afonso de Albuquerque conquistou Malaca e que, tomando conhecimento de que esta cidade era vassala do Reino de Sião, enviou um emissário chamado Duarte Fernandes à cidade de Ayutthaya, que era então a capital siamesa, com uma carta dirigida ao rei Ramathibodi II. O enviado Duarte Fernandes foi bem recebido pelo rei.

Mais tarde, em 1516, um outro emissário de Afonso de Albuquerque, chamado Duarte Coelho, estabeleceu com o mesmo soberano uma aliança, segundo a qual o Reino de Sião daria o seu apoio aos portugueses no seu comércio de especiarias e de outras riquezas, em troca do fornecimento de armas e de munições ao exército siamês. Em anos posteriores, forças militares portuguesas chegaram a combater em defesa de Sião contra a vizinha Birmânia.

Foi para mim bastante difícil encontrar na Internet informações históricas concretas sobre o relacionamento entre Portugal e o Reino de Sião. A Wikipedia em português, por exemplo, é vergonhosamente omissa a este respeito, fazendo apenas uma muito vaga referência ao assunto. Acabei por encontrar uma página em inglês com a informação que desejava e cuja consulta recomendo a quem quiser saber mais: http://www.ayutthaya-history.com/Settlements_Portuguese.html.

Escrevi acima que os tailandeses não se esqueceram de assinalar o quinto centenário da chegada dos portugueses ao seu país. Fizeram-no, por exemplo, através de uma exposição que muito recentemente esteve patente no Museu de Sião, em Bangkok (cidade que portugueses fundaram e que se tornou a capital do país), e que se chamou Olá Sião, assim mesmo em português. Fizeram-no também através da realização de um filme que assinala o facto. Queira ver a seguir um trailer deste filme, falado em tailandês e legendado em inglês.


09 junho 2012

Igreja de Bravães

(Foto: rvanhegelsom)

A igreja matriz de Bravães, que fica mesmo encostada à estrada nacional 203, entre Ponte da Barca e Ponte de Lima, é um dos mais belos exemplares de templo românico existentes em Portugal. Não é por acaso que está classificada como monumento nacional. Construída no local de um antigo mosteiro, a igreja atual data dos finais do séc. XII ou inícios do séc. XIII. Tem, portanto, cerca de 800 anos.

(Foto: IGESPAR)

Não se deve confundir românico com romano. O estilo românico surgiu na Europa por volta do ano 1000 e implantou-se em Portugal, sobretudo, durante o reinado de D. Afonso Henriques. São românicas, por exemplo, a Sé Velha de Coimbra e a Sé Patriarcal de Lisboa.

Mas é no norte que se encontra a maior concentração de construções românicas em Portugal, quase todas religiosas e muitas delas notáveis. Entre muitas outras não menos merecedoras da nossa atenção, estou neste momento a lembrar-me de algumas cuja visita recomendo a quem me lê, a saber: Orada (Melgaço), Pitões das Júnias (Montalegre), Fonte Arcada, que foi a terra da Maria da Fonte (Póvoa de Lanhoso), Rates (Póvoa de Varzim), Cete (Paredes), Paço de Sousa (Paredes) e São Martinho de Mouros (Resende), não esquecendo a Ermida do Paiva (Castro Daire) e a de São Pedro das Águias (Tabuaço), de que já falei aqui no blogue recentemente. E não esquecendo também a humilde igreja de Algosinho (Mogadouro), que é tão simples e tão rústica que se torna comovente.


Eu confesso que me sinto fascinado pelo estilo românico. Fascinado e intrigado, também, pelos seus elementos decorativos, que refletem crenças, medos, superstições e ritos cujo significado se foi perdendo ao longo dos tempos. O que quererão dizer as cabeças de touro, os demónios, os animais, os sóis, as luas, os seres irreais e os elementos geométricos que os homens da Idade Média esculpiram na pedra dos seus templos românicos? O que é que se passaria dentro da cabeça daquelas pessoas crentes e supersticiosas, para criar aquelas figuras? Que exorcismos pretenderiam elas levar a cabo? Que milagres desejariam elas implorar a Deus e aos santos?


Não nos esqueçamos de que a Idade Média foi um tempo terrível para a Europa e, em particular, para esta nação que então nasceu com o nome de Portugal. Foi um tempo de fomes e de pestes, de conquistas e reconquistas aos mouros e pelos mouros, de trovadores e menestréis, de eremitas e peregrinos, de mesteirais e mercadores, de camponeses humilhados e esbulhados e de nobres cruéis e insolentes. Tudo isto teria, certamente, que se refletir na arte do românico e também na do gótico, que se lhe seguiu.

(Foto: rvanhegelsom)

A igreja de Bravães, com a sua grande profusão decorativa, é um motivo particularmente importante para esta minha curiosidade em relação ao românico. Em Portugal não há outra igreja como esta. Só na Galiza é que se encontram algumas outras parecidas com ela.

(Foto: IGESPAR)

06 junho 2012

Malteses, burgueses e às vezes...

Fotograma do filme Malteses, Burgueses e às vezes..., de Artur Semedo

Aí por volta de 1976 ou 1977, mais ano menos ano, um vizinho meu, que era parente de Artur Semedo, recomendou-me o filme "Malteses, Burgueses e às vezes...", que este humorista português tinha rodado em Angola por volta de 1973 e que iria então voltar a ser exibido no Cinema do Terço, um cinema de reprise que havia aqui no Porto.

Eu respondi ao meu vizinho, com toda a sinceridade, que não sentia grande vontade em ver o filme, porque tinha pouco apreço por Artur Semedo como humorista, que considerava medíocre, e como ator, que achava mau. Embora eu nunca tivesse visto nenhum filme realizado por ele (o que eu conhecia dele eram apenas as suas aparições na televisão), a verdade é que Artur Semedo era uma pessoa que estava muito longe de despertar o meu entusiasmo.

Sem se sentir ofendido pela opinião que manifestei em relação ao seu parente, o meu vizinho insistiu:

— Olhe que desta vez ele esmerou-se. Depois de ter visto "Um Italiano em Angola", de Ettore Scola, o Artur resolveu também rodar um filme em Angola, com a finalidade de criticar a sociedade colonial. Eu já vi o filme e gostei muito. Na minha opinião, o Artur acertou em cheio. Acho que você também deve ir ver. É muito bom.

Convencido pelo meu vizinho, lá fui ao Marquês ver o filme e... senti que enfiei um barrete até aos pés! O filme era mau demais. É certo que nele se fazia uma crítica muito mordaz à burguesia colonial, com a sua corte de oportunistas, patos-bravos, vigaristas e galdérias, mas a realização era tão má e a representação dos atores era tão pouco convincente, que quem ficava mal no filme era o próprio realizador e não a sociedade que ele queria satirizar.

O guião do filme foi da autoria do próprio Artur Semedo e de A. Bobela Mota. Passo a transcrever o resumo da história, que encontrei no sítio A Guerra Colonial:

Ano de 1972, Angola em guerra, Angola em progresso! Vivia-se a grande euforia económica. O empresário Pais dos Santos, alma virtuosa, nela albergava o maior potentado do mundo capitalista à escala portuguesa, ramificando os seus negócios lícitos e ilícitos de norte a sul daquela província ultramarina. Investia, lucrava, investia, até que, investe contra ele o marginal Trafaria – professorado em vigarice e mestrado em crime. Entram em confronto clandestino. O mundo subterrâneo dos fora-da-lei e da corrupção agita-se. Trafaria rouba-lhe o sossego, o devaneio amoroso, a pista dos diamantes, e não satisfeito, rapta-o e leva-o com o filho adoptivo para o deserto de Moçâmedes. A notícia deste insólito e trágico acontecimento rebenta como uma bomba junto dos angolanos. A polícia promete eficácia e o confronto dá-se. Só que, nesta rocambolesca aventura, o crime compensou o Trafaria que desapareceu de África no momento exacto.

No meio de toda esta trapalhada, feita sem graça nenhuma por portugueses apenas, onde é que estão os colonizados no filme? Praticamente não se veem e não nos devemos surpreender com este facto. A burguesia colonial funcionava em circuito fechado, como se os negros, cujo trabalho era a fonte da sua riqueza, não existissem.

A sociedade colonial em Angola, tirando algumas honrosas exceções, era composta por duas comunidades, uma branca e outra negra, que coexistiam sem se misturarem verdadeiramente, tal como a água e o azeite. A miscigenação racial que era tão celebrada pela ideologia colonial portuguesa não existia de facto, a não ser como resultado de uma relação de domínio, em que os colonizadores faziam filhos às colonizadas e as abandonavam com o fruto dessa relação nos braços. Houve exceções, é verdade que sim, mas a regra era esta. Nem o facto de terem criados negros nas suas casas levava os brancos de Angola a interessar-se minimamente pela vida e pela cultura deles. Só o exotismo era capaz de lhes despertar alguma curiosidade, à mistura com desdém, como sendo algo «primitivo», «de pretos», «de selvagens».

É este mesmo exotismo, assumido pelo próprio Artur Semedo e incarnado na figura de um mucubal (kuvale) habitante do deserto do Namibe (ex Moçâmedes), que nos aparece nas cenas finais do filme. Nestas, os nossos "heróis", em fuga para a Namíbia, pararam o jipe, onde viajavam, junto do angolano de etnia mucubal e, sem sequer o saudarem, perguntaram-lhe asperamente onde é que fica a fronteira. Dada a resposta, eles ofereceram ao "indígena" uma peça de quinquilharia e só não o trataram por tu porque não calhou. É uma cena tipicamente colonial, que se pode ver a seguir, muito mal realizada e muito mal representada.



Escrevi acima que o meu vizinho me afirmou que Artur Semedo teve a ideia de rodar este filme depois de ter visto "Um Italiano em Angola", de Ettore Scola. Este outro filme, que foi rodado em 1968, já foi objeto da minha análise aqui neste blogue há poucos meses. Sucede, porém, que depois disso surgiu no Youtube a sua versão integral, em italiano e sem legendas.

Este outro, sim, é um filme que eu recomendo. "Um Italiano em Angola", que no Brasil recebeu o título "Perdidos na África", tem a duração de duas horas. Os primeiros doze minutos foram filmados em Itália e todo o resto do filme (exceto meio minuto nas cenas finais) foi rodado em Angola. Aproveite para ver e admirar as fabulosas paisagens angolanas e o ainda mais fabuloso povo angolano, em imagens que foram eternizadas pela mestria do realizador italiano Ettore Scola. Não dê importância à língua-de-trapos falada pelos "portugueses" do filme, que é uma macarrónica mistura de italiano, português do Brasil e espanhol! Não dê importância, tampouco, à triste figura do "feiticeiro da tribo", que quase arruinou o filme. Compare, isso sim, por exemplo, a tristeza do mucubal solitário de "Malteses..." com o entusiasmo com que muitos outros mucubais participaram na palhaçada feita por aqueles italianos malucos que lhes apareceram pela frente, em "Um Italiano em Angola". Este filme completo pode ser visto aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=5sjCmBgcSxA

01 junho 2012

Máquina de costura

Brinquedo artesanal da República Democrática do Congo (Congo-Kinshasa) feito por volta de 1983. National Museum of African Art, Washington, Estados Unidos da América