14 julho 2012

Tango

(Foto de autor desconhecido)

Se alguém perguntar à minha mãe como foi que conheceu o meu falecido pai, ela responderá:

— Foi num baile. Ele chegou ao pé de mim e convidou-me para dançar um tango do Carlos Gardel.


Silencio, por Carlos Gardel

Isto foi num tempo em que Carlos Gardel fazia derreter os corações das moças e em que se dançava o tango um pouco por toda a cidade do Porto, desde os populares bailes de bombeiros, até aos bailes mais burgueses do Ateneu e do Clube Portuense. Foi num tempo, também, em que os maiores cafés da cidade tinham uma orquestra privativa, que à hora do chá tocava tangos (e também mambos, foxtrots e boleros) para a clientela.

Por outro lado, muito tempo antes de terem surgido as radionovelas do Tide (então chamadas folhetins radiofónicos) no Rádio Clube Português, já aqui no Porto havia quem fizesse folhetins na rádio. Concretamente, o Rádio Clube do Norte, que era um dos Emissores do Norte Reunidos, fez pelo menos um. Não sei se recorreram a atores contratados para preencher o elenco (muito provavelmente sim), o que sei é que os papéis principais foram protagonizados pelos dois locutores mais conceituados da estação: Maria Eugénia Olga Cardoso e Fernando Rocha.

A radionovela incluiu canções que foram criadas propositadamente para ela. Estas canções tornaram-se num êxito tal, que se resolveu editar duas delas em disco. Foram editados um mambo (ou seria uma rumba?) na voz de Maria Eugénia Olga Cardoso e um tango cantado por Fernando Rocha. Foi o tango que se impôs à preferência do público. Chamava-se "Sonho de Amor" e pode ser ouvido a seguir. Chamo a atenção para a alta qualidade da orquestra que acompanha Fernando Rocha. Aqui no Porto não se brincava aos tangos...


Sonho de Amor, por Fernando Rocha

De todos os tangos que no Porto se criaram, o que se tornou mais popular em todo o país foi, sem dúvida nenhuma, o tango "Amores de Estudante", composto em 1937 por Aureliano da Fonseca e Paulo Pombo, para a orquestra de tangos do Orfeão Universitário do Porto. Julgo que não há ninguém em Portugal que não conheça este tango, que se tornou numa espécie de hino da Academia do Porto.

Ora a orquestra de tangos do Orfeão Universitário do Porto já não existe. Por isso, o tango "Amores de Estudante" passou a ser interpretado pela tuna do mesmo Orfeão, assim como por muitas outras tunas de estudantes espalhadas pelo país fora. O problema é que o tango "Amores de Estudante" não é uma música para tunas. Fica irreconhecível, para pior.

Andei pela Internet fora à procura de uma versão dos "Amores de Estudante" que fosse tocada pela orquestra de tangos do OUP de outros tempos, mas não encontrei, com muita pena minha. O que encontrei foi uma versão que eu desconhecia, na voz de um tal João Lourival, que eu também desconhecia. Esta versão não é nenhuma maravilha, longe disso, mas pelo menos é um tango. Ouçamo-la.


Amores de Estudante, por João Lourival

Aditamento — Recebi uma mensagem de um amável visitante, que agradeço, chamando a minha atenção para uma gravação existente no Youtube, em que se pode escutar o tango "Amores de Estudante", interpretado pela orquestra de tangos do Orfeão Universitário do Porto, feita na década de 60. O cabeçalho no Youtube é enganador, pois diz que a interpretação é da Tuna Universitária do Porto. Não é tal. É mesmo da orquestra de tangos do OUP. Para ouvir a gravação, queira dirigir-se a este endereço: http://www.youtube.com/watch?v=tc5vQ6BdJOY.


Correção  — Tive a oportunidade de falar com uma antiga orfeonista do OUP, que me informou que, contrariamente ao que eu pensava, o tango "Amores de Estudante" era habitualmente tocado pela tuna do Orfeão Universitário do Porto e não pela orquestra de tangos. Esta orquestra tocava unicamente tangos argentinos, como "Caminito", "Adiós Muchachos", etc. Aqui fica a correção e o meu pedido de desculpas, por ter induzido em erro quem visita este blogue. Fica, assim, desfeito o equívoco: os "Amores de Estudante" pertenciam ao repertório da Tuna Universitária do Porto, embora fossem um tango.

Por outro lado, a mesma antiga orfeonista informou-me que o Orfeão Universitário do Porto visitou Angola duas vezes: uma primeira digressão só a Angola, ocorrida em 1962, e uma segunda visita em 1969, no âmbito de uma digressão mais vasta que incluiu também Moçambique e a África do Sul.

Comentários: 6

Blogger António Amaral escreveu...


Caros Amigos, vim parar aqui quando fazia pesquisas p1ara descobrir o nome do vocalista da referida Orquestra de Tangos. Tinha uma voz e uma pronúncia do espanhol argentino que fazia lembrar o Carlos Gardel ! Pois dei comigo a ler atentamente a vossa página, e, como trabalhei muitos anos na Rádio-Renascença, desde 1954 a 1970, peço licença para corrigir os textos sobre o teatro radiofónico da época. Era emitido e gravado no Rádio Clube do Norte (um dos Emissores do Norte Reunidos) e propriedade do saudoso Ilídio Inácio. Pois as correções são estas: os protagonistas eram o Fernando Rocha e a Olga Cardoso (do concurso televisivo "A Amiga Olga"). Além do disco do F.R. a Olga também gravou um 45 rpm com duas canções. A parceria F.R.-Maria Eugénia é da R.R. e faziam um programa matinal chamado "A volta ao mundo em 80 minutos" nos anos 55-58. Esta dupla também esteve na inauguração dos estúdios de RTP do Monte da Virgem. No fim dos anos 50, e já nos estúdios novos da RR, em Sá da Bandeira, a Olga Cardoso entrou para a RR, e aqui foi muito popular ao fazer o programa "Despertar às 7 e meia", ela no Porto e o António Sala nos estúdios de Lisboa. Enfim, tempos passados. Disponham, um abraço.

03 julho, 2019 18:00  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Muito obrigado pelo seu valioso comentário. Pois eu sempre pensei que a protagonista do folhetim era Maria Eugénia, que gozava de uma enorme popularidade entre o público rádio-ouvinte do Porto. Mas, como bem diz, Maria Eugénia trabalhava na Rádio Renascença e não no Rádio Clube do Norte. Vou já corrigir o texto.

Confesso que fiquei surpreendido com o nome de Olga Cardoso, pois julgava que esta grande profissional só tinha iniciado a sua atividade como locutora, já nos anos 60 e não antes, com um programa na Rádio Renascença que se chamava, se não me falha a memória, "Mosaico". Só depois é que ela viria a fazer o popularíssimo programa "Despertar" com António Sala, que foi durante bastantes anos uma verdadeira lição diária de como se deve fazer rádio.

Agradeço imenso ter vindo a este espaço deixar a sua contribuição e desejo-lhe, de todo o coração, muita saúde e muitos anos de vida mais.

Um grande abraço

04 julho, 2019 02:37  
Anonymous António Amaral escreveu...

Caro Fernando Ribeiro, já agora mais um àparte, este sobre o João Lourival, que me parece continua em forma, pelo menos no Facebook. Nos últimos anos ouvia-o falar numa FM de Matosinhos, de onde é natural, salvo erro. Mas o curioso é que ele foi o baterista dos "Titans", um grupo de guitarras elétricas que tocavam o reportório dos britânicos "Shadows", isto nos anos 60, e do qual também fazia parte um conhecido político de apelido Melo (falecido há pouco) e conhecido adepto do Boavista F.C. O nome do conjunto foi inspirado pelo guindaste Titan de Leixões, que está a ser restaurado para voltar ao seu lugar no molhe de Leixões.Um abraço.

04 julho, 2019 23:30  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Prezado António Amaral, embora de um ponto de vista musical não fosse da minha preferência, a verdade é que o extinto Rádio Clube de Matosinhos era uma rádio eminentemente popular, que interagia com o seu público ouvinte de uma maneira extraordinária, como não se encontra em mais rádio nenhuma. Nem a Rádio Festival se lhe aproximava, nem aproxima. O Rádio Clube de Matosinhos foi uma rádio verdadeiramente inserida na comunidade. O único defeito que lhe aponto era a sua péssima qualidade técnica, apesar de transmitir em FM. Havia programas que pareciam transmitidos pelo telefone, passe o exagero. Nem no tempo do tango de Fernando Rocha o som das rádios (que eram em onda média) era tão mau.

O guindaste Titan a que se refere é o do molhe sul, não é verdade? Pois sempre que olho para Leixões a partir do Porto, sinto a falta do seu inconfundível perfil em cima do molhe. O ultramoderno terminal de cruzeiros não o substitui. Ainda bem que vão querer recolocá-lo no seu lugar de sempre, para lembrar às novas gerações como o porto de Leixões foi construído. Foi uma grande obra de engenharia!

Um abraço

05 julho, 2019 02:28  
Blogger António Amaral escreveu...

Caro Fernando Ribeiro, isto é como as cerejas, tenha paciência ! Mas já vi como reconhece o papel da Rádio, mesmo que não se partilhe o seu estilo. De facto, apesar de ter estado mais tempo na RTP, como técnico, do que na RR, é a Rádio que continua a acompanhar o meu dia. Apesar de não concordar com o estilo, não resistia a ouvir a RCM, com aquele execrável Janeco a atender telefonemas dos ouvintes. E a publicidade ao minimercado da esquina, com os preços dos produtos em detalhe ? Como moro em Canidelo, ou seja, Afurada de Cima, ao passear à beira-rio tinha ocasião de ouvir a popularidade que a estação tinha pois, desde o som saído das tabernas até aos rádios de pilhas ao lado dos pescadores a remendarem as redes, só dava RCM. E a talhe de foice, como falou na Festival, fiz há anos e publiquei no Youtube um vídeo com os telefonemas que gravei durante alguns meses dos discos pedidos daquela estação. Fiz um apanhado dos mais pitorescos antes que se perdesse esse Porto com as suas gentes. O falecido diretor, José Neves, ao vender a Rádio Festival àquele sorvedor de rádios Luís Montez, para transformá-las todas no mesmo padrão, foi com a condição de não mexer nas suas raízes. E parece que tem cumprido. Como não percebo nada de blogues, não sei se é permitido, e como, publicar a partir do Youtube, por tal aqui lhe deixo a maneira de localizar o meu vídeo: Youtube Rádio Festival Telefonemas.

05 julho, 2019 16:19  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Caro António Amaral, ouvi os telefonemas e fiquei encantado com a forma digna e cortês como José Neves tratava os seus ouvintes. Ele conseguia estabelecer laços de cumplicidade com quem lhe falava do outro lado da linha sem se colocar num pedestal. Um senhor.

Quanto a Luís Montez, não só parece que tem vindo a cumprir as condições apresentadas por José Neves aquando da venda da Rádio Festival, como até parece que aplicou, pelo menos em parte, a mesma fórmula a uma rádio que criou em Lisboa dedicada ao fado e géneros afins, que é a Rádio Amália.

Um abraço

06 julho, 2019 00:42  

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