08 agosto 2012

Confissões de um antigo combatente

Chegada a Lisboa de militares regressados da antiga Guiné Portuguesa, hoje Guiné-Bissau (Foto: Américo Estorninho)


DIA 8 DE ABRIL DE 1970 – O REGRESSO À MÃE PÁTRIA.

(...)

Chegada ao cais. As pernas tremem de alegria, as lágrimas teimosamente deslizam pela face abaixo. Os olhos ávidos de esperança vasculham o cais à procura de um sinal. O sinal combinado para o feliz encontro que teima em não chegar.

Por fim, lá ao longe, uma silhueta, um aceno, um grito de felicidade. Está ali! Está ali!

Aonde? Não o vejo!

Ali ao fundo…

Seguem-se os abraços sem fim. O beijo afectuoso de uma mãe que sempre acreditou. A sua promessa de ir a Fátima a pé, agradecer à Virgem Maria, valeu. A Senhora protegeu o seu filho.

Agora vamos cumpri-la e ele vai comigo. Ai vai, vai!

A esposa que soube esperar e lhe traz o filho que ele ainda não conhecia. A namorada que teve a coragem de resistir por amor.

(...)

Passaram quarenta anos. Pensava eu que a Guiné fora uma etapa para esquecer e que a vida continuava.

Como estava errado. A Guiné grudou-se a mim, vive comigo todos os dias e irá comigo para a cova. O meu espírito vagueia por aquelas tabancas, olha de frente aquela gente terna e meiga que me acolheu, quando eu era “agressor” e me acolhe agora com terno carinho, sempre que vou até lá matar saudades.

Zé Teixeira


(in C.Caç. 2381 - OS MAIORAIS)

Comentários: 2

Blogger Rogério G.V. Pereira escreveu...

A memória não nos larga. E a experiência dessa vivência cola-se-nos à pele...

08 agosto, 2012 22:45  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Caro Rogério,

Enquanto estive em Angola no cumprimento do serviço militar, fiz questão em não colecionar quaisquer objetos ou fotografias que pudesse trazer de lá no fim da comissão, porque queria esquecer tanto quanto possível aqueles dois anos da minha vida. Santa ingenuidade!

Só me apercebi realmente de que iria passar a trazer Angola comigo para sempre, por muito que eu não quisesse, quando fiz a despedida final dos meus subordinados angolanos. Foi um momento verdadeiramente lancinante, pode crer! Completamente encharcados em lágrimas (e eu também), todos eles se abraçaram ao mesmo tempo a mim, implorando-me que não me viesse embora para o Puto, porque queriam ter a possibilidade de voltar a estar comigo no futuro. Não há palavras que possam descrever o que eu senti naquele momento. Apenas direi que o meu coração ficou em Angola, enquanto o resto do corpo regressou a Portugal.

Acabei mesmo por não trazer quaisquer objetos de lá, mas a memória de Angola, essa, não me larga nunca, nem largará.

09 agosto, 2012 01:14  

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