20 agosto 2012

São Frutuoso de Montélios


Muitas igrejas tem a cidade de Braga. Muitas! Umas mais ricas, outras mais pobres. Umas maiores, outras mais pequenas. Umas mais antigas, outras mais modernas (quase todas são antigas). Mas há em Real, na periferia de Braga, uma igreja que sobreleva todas as demais, embora seja a mais pequena, a mais pobre materialmente e, de certeza, a mais antiga de todas as igrejas de Braga. Ela é na verdade mais velha do que a proverbial Sé de Braga. É a pequenina igreja de São Frutuoso de Montélios, que está encostada à igreja do convento de São Francisco como se fosse um seu anexo. Para mim, no entanto, a rica igreja do convento é que é um anexo da pequenina e pobre São Frutuoso de Montélios. Nem todo o ouro junto de toda a talha dourada dos altares de São Francisco vale tanto como uma só pedra de granito de São Frutuoso.

Há poucas certezas sobre a igreja de São Frutuoso de Montélios. Uns dizem que ela é em estilo suevo-visigótico; outros dizem que ela é moçárabe; outros dizem que não, senhores, o seu estilo é bizantino. Uns dizem que data do séc. VII; outros dizem que já foi construída sob domínio muçulmano; outros dizem que não é tão antiga, datando, isso sim, do período da reconquista cristã aos mouros. Enfim, qualquer que seja o seu estilo e a data da sua edificação, num aspeto todos estarão de acordo: no ano 1000 esta igrejinha já existia há muito.

(Foto: Javier)

Quem quiser saber mais sobre esta singular construção, poderá consultar, por exemplo, o trabalho académico intitulado "S. Frutuoso de Montélios — Um pequeno e enigmático templete que atravessa três milénios", da autoria de Eugénio Queirós. Quem quiser ver mais imagens dela, poderá visitar, por exemplo, a página que lhe é dedicada no blogue Ollos de Marzal, publicado por Javier. Pela parte que me toca, faço minhas as palavras que José Saramago escreveu a seu respeito no seu roteiro "Viagem a Portugal":

(...) Real é uma pequena povoação a dois quilómetros de Braga. Tem o que todas têm, pessoas, casas, e mais o que a todas as outras falta, aldeias sejam ou cidades de estadão: a Igreja de São Frutuoso de Montélios.

O viajante [José Saramago] está consciente do que diz. Igrejas tem visto muitas, de artes arquitetónicas anda com os olhos cheios, e por isso sabe quanto vale a afirmação de que em Portugal nada há que possa comparar-se com este tesouro. É um pequeno edifício, despido de enfeites por fora, singelo por dentro, em dois minutos dá-se-lhe a volta, e contudo talvez nunca em Portugal tão exatamente se tenham combinado volumes, tão eloquentemente se tenham feito falar superfícies quase lisas. S. Frutuoso de Montélios é anterior a quantas artes o viajante por aqui tem visto, com exceção da romana. Estará entre o romano e o românico, será talvez visigótico, mas este é um daqueles casos em que as classificações importam pouco. A S. Frutuoso deve ir quem julgue saber muito de arte, ou quem de arte confesse saber pouco: ambos se encontrarão no mesmo reconhecimento, na mesma gratidão pela distante gente que inventou e construiu esta igreja, lugar sobre todos precioso da arquitetura em Portugal.

Ao lado dela, pouca figura faz a igreja do Convento de São Francisco, apesar do rigor do seu estilo renascença: é que há vozes vindas de longe que nos falam tão perto do ouvido e do coração que cobrem todas as fanfarras. S. Francisco, aqui, não passa de um acólito menor de S. Frutuoso. Quanto ao viajante, retira-se sem saber muito bem quem é.
(...)
(Foto: Manuel Araújo)

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