21 março 2013

Há um veneno em mim

Há um veneno em mim que me envenena,
um rio que não corre, um arrepio,
há um silêncio aflito quando os ombros
se cobrem de suor pesado e frio.

Há um pavor colado na garganta,
e tiros junto à noite, e o desafio
(algures na escuridão) de alguma coisa
calando o fraco apelo que eu envio.

Há um papa que morre enquanto escrevo
estas linhas de angústia e solidão
há o fogo da Breda, os olhos gastos.

Há a mulher que espera confiada
um pálido vazio aerograma;
e há meu coração posto de rastos.

Fernando Assis Pacheco (1937-1995)


Breda — Metralhadora pesada usada na Guerra Colonial, habitualmente montada em viaturas militares

Aerograma — Espécie de carta sem sobrescrito, inventada por Fernando Pessoa


Um aerograma do tipo usado na correspondência entre os militares portugueses destacados em África e as suas famílias (Foto: Museu do Papel)

Comentários: 4

Anonymous Anónimo escreveu...

Em mim também...

22 março, 2013 20:18  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Caro anónimo, seja bem-vindo. Faça de conta que está em sua casa.

23 março, 2013 00:15  
Blogger Um Jeito Manso escreveu...

Que poema tão bonito (e tão estranhamente actual, não é?). E a poesia tem esta coisa: pode ter múltiplas leituras, ser independente de geografias e de épocas.

23 março, 2013 22:45  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

É, de facto, um poema estranhamente atual. Podemos fazer agora uma leitura que não era a que estava nas intenções originais do poeta, mas que é tão legítima como ela.

24 março, 2013 00:43  

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