28 julho 2013

A Matemática na Natureza


Nature by Numbers, vídeo de Cristóbal Vila

A Matemática é a mais nobre de todas as ciências. Podemos mesmo dizer que ela tem um toque divino. Na verdade, que outra ciência é capaz de lidar com a noção de infinito, por exemplo, com tanto à-vontade como a Matemática? E também com a noção — tão estranha — de menos infinito? E com muitas outras noções igualmente estranhas, como a de universos de múltiplas dimensões?

No caso deste vídeo, não é de infinitos que se trata. Nem de universos multidimensionais. Trata-se, sim, deste universo em que vivemos, a três dimensões (ou a quatro, se considerarmos a dimensão temporal), e no qual a Matemática está sempre presente nas suas leis e nas suas mais variadas manifestações.

Este vídeo é uma animação digital da autoria do espanhol Cristóbal Vila, em que se mostra a existência na Natureza de alguns conceitos matemáticos, tais como a série de Fibonacci, o retângulo dourado, o ângulo dourado e a tesselação de Voronoi ou mosaico de Dirichelet. Este vídeo tem, porém, um erro, que o próprio autor só descobriu depois de o ter concluído: as conchas dos náutilos não crescem de acordo com a série de Fibonacci. Mas a forma tomada por um feto jovem enrolado, por exemplo, segue esta série famosa. Ou os braços em espiral de uma galáxia. Ou a flor da alcachofra.

O autor do vídeo colocou também na Internet uma página, em inglês e castelhano, em que explica os conceitos matemáticos ilustrados por esta sua animação. Vale a pena visitar a página para melhor compreender. O seu endereço é http://www.etereaestudios.com/docs_html/nbyn_htm/about_index.htm.

27 julho 2013

Citação

(Foto de autor desconhecido)
Se fosse a vontade de Deus que nós vivêssemos nus, teríamos nascido assim.
Mark Twain (1835-1910), escritor e humorista norte-americano

23 julho 2013

Gamelão


Música de gamelão da ilha de Bali

O gamelão (gamelan em língua indonésia) é um tipo de orquestra tradicional das ilhas de Java e de Bali, na Indonésia. Os instrumentos que constituem um gamelão são metalofones, gongos, xilofones, tambores, flautas, cordofones, vozes humanas, etc. As escalas musicais usadas no gamelão são essencialmente duas: uma escala pentatónica, chamada slendro, e uma escala heptatónica, chamada pelog. O gamelão tem por principal função acompanhar danças tradicionais e rituais de caráter religioso.

Não é por acaso que os xilofones indonésios são parecidos com as marimbas africanas. As marimbas chegaram a África vindas da Indonésia e da Malásia, através de Madagascar. Populações oriundas das longínquas paragens asiáticas fixaram-se nesta grande ilha ao largo da costa de Moçambique há cerca de dois mil anos. Ainda hoje se fala em Madagascar uma língua austronésia, afim das línguas faladas na Malásia, Indonésia, Timor Leste (o próprio tetum é também uma língua austronésia), sul do Pacífico, etc. Há muitos malgaxes que possuem traços fisionómicos indiscutivelmente asiáticos.


Música de gamelão da ilha de Java

19 julho 2013

Édito da expulsão de judeus e mouros de Portugal

Placa de granito em memória dos judeus perseguidos na sequência do édito de expulsão. Esta placa encontra-se afixada numa parede da Rua de São Bento da Vitória, na cidade do Porto. Esta rua e ruas adjacentes, como a de São Miguel, faziam parte da chamada Judiaria Nova do Olival. O nome Vitória, que posteriormente foi dado ao local, refere-se à "vitória" do cristianismo sobre o judaísmo. O texto em português inscrito na placa diz o seguinte:
Em memória de todos os judeus portugueses vítimas do infame decreto de 1496 que só lhes deu a opção à conversão forçada ou à morte.
Terra não cubras o sangue deles pelo esquecimento.
Que seja restituída a abençoada memória de todos aqueles e aquelas que durante cinco séculos mantiveram vivo o eco da palavra do Deus vivo actualizando a visão profética de Moisés no monte Horeb
A sarça ardia no fogo e a sarça não se consumia
As almas ardentes deles não foram destruídas pelas chamas ou pelos seres que o queriam através das mais terríveis torturas obrigando-os a renegar a sua fé sublime na fonte da vida e amor
O justo vibra na sua fé

(Foto: Inácio Steinhardt)

Para satisfazer uma exigência feita pelos Reis Católicos de Espanha, Fernando e Isabel, como condição para a realização do seu casamento com a infanta D. Isabel, filha daqueles reis, o rei D. Manuel I de Portugal promulgou em 5 de dezembro de 1496 o seguinte édito de expulsão de judeus e de mouros do território português (algumas palavras possuem no original a letra u encimada por um til, que não é possível reproduzir aqui):

Que Judeus e Mouros se saiam destes Reynos, e nom morem, nem estem nelles. Porque todo fiel Christão sobre todas as cousas he obriguado fazer aquellas que sam seruiço de Nosso Senhor, acrecentamento de sua Sancta Fee Catholica, e a estas nom soomente deuem pospoer todos os guanhos e perdas deste mundo, mas ainda as próprias vidas, o que os Reys muito mais inteiramente fazer deuem, e sam obriguados, porque per Jesu Christo nosso Senhor sam, e regem, e delle recebem neste mundo maiores merces, que outra algua pessoa, polo qual sendo Nós muito certo, que os Judeus e Mouros obstinados no ódio da Nossa Sancta Fee Catholica de Christo nosso Senhor, que por sua morte nos remio, tem cometido, e continuadamente contra elle cometem grandes males, e blasfémias em estes Nossos Reynos, as quaes nom tam soomente a elles, que sam filhos de maldiçam, em quamto na dureza de seus corações esteuerem, sam causa de mais condenaçam, mas ainda a muitos Christãos fazem apartar da verdadeira carreira que he a Sancta Fee Catholica; por estas, e outras mui grandes e necessarias razões, que Nos a esto mouem, que a todo Christão sam notorias e manifestas, avida madura deliberaçam com os do Nosso Conselho, e Letrados, Determinamos, e Mandamos, que da pubricaçam desta Nossa Ley, e Determinaçam atá per todo o mez d'Outubro do anno do Nacimento de Nosso Senhor de mil e quatrocentos e nouenta e sete, todos os judeus, e Mouros forros, que em Nossos Reynos ouuer, se saiam fóra delles, sob pena de morte natural, e perder as fazendas, pera quem os acusar. E qualquer pessoa que passado o dito tempo teuer escondido alguu Judeu, ou Mouro forro, per este mesmo feito Queremos que perca toda sua fazenda, e bens, pera quem o acusar, e Roguamos, e Encomendamos, e Mandamos por nossa bençam, e sob pena de maldiçam aos Reys Nossos Socessores, que nunca em tempo alguu leixem morar, nem estar em estes Nossos Reynos, e Senhorios d'elles, ninhuu Judeu, nem Mouro forro, por ninhua cousa, nem razam que seja, os quaes Judeus, e Mouros Leixaremos hir liuremente com todas suas fazendas, e lhe Mandaremos paguar quaesquer diuidas, que lhe em Nossos Reynos forem deuidas, e assi pera sua hida lhe Daremos todo auiamento, e despacho que comprir. E por quanto todas as rendas, e dereitos das Judarias, e Mourarias Temos dadas, Mandamos aas pessoas que as de Nós tem, que Nos venham requerer sobre ello, porque a Nós Praz de lhe mandar dar outro tanto, quanto as ditas Judarias, e Mourarias rendem.

13 julho 2013

Calou-se a voz de um gigante


Calou-se para sempre a voz do cantor cabo-verdeano Bana (de seu nome próprio Adriano Gonçalves, 1932-2013), um gigante no corpo e um gigante no sentimento

09 julho 2013

Um conto popular português

A COMADRE MORTE

Havia um homem que tinha tantos filhos, tantos, que não havia ninguém na freguesia que não fosse compadre dele; e vai a mulher teve mais um filho. Que havia do homem fazer? Foi por esses caminhos fora a ver se encontrava alguém que convidasse para compadre. Encontrou um pobrezito e perguntou-lhe se queria ser compadre dele.

— Quero; mas tu sabes quem eu sou?

— Eu sei lá; o que eu quero é alguém para padrinho do meu filho.

— Pois, olha, eu cá sou Deus.

— Já me não serves; porque tu dás a riqueza a uns e a pobreza a outros.

Foi mais adiante; e encontrou uma pobre e perguntou-lhe se queria ser comadre dele.

— Quero; mas sabes tu quem eu sou?

— Não sei.

— Pois, olha, eu cá sou a Morte.

— És tu que me serves, porque tratas a todos por igual.

Fez-se o baptizado e depois disse a Morte ao homem:

— Já que tu me escolheste para comadre, quero-te fazer rico. Tu fazes de médico e vais por essas terras curar doentes; tu entras e se vires que eu estou à cabeceira, é sinal que o doente não escapa e escusas de lhe dar remédio; mas se estiver aos pés é porque escapa; mas livra-te de querer curar aqueles a que eu estiver à cabeceira, porque te dou cabo da pele.

Assim foi. O homem ia às casas e se via a comadre à cabeceira dos doentes abanava as orelhas; mas se ela estava aos pés, receitava o que lhe parecia. Vejam lá se ele não havia de ganhar fama e patacaria, que era uma coisa por maior!

Mas vai uma vez foi a casa dum doente muito rico e a Morte estava à cabeceira; abanou as orelhas; disseram-lhe que lhe davam tantos contos de réis se o livrasse da Morte e ele disse:

— Deixa estar que eu te arranjo — e pega no doente e muda-o com a cabeça para onde estavam os pés e ele escapa.

Quando ia para casa sai-lhe a comadre ao caminho:

— Venho buscar-te por aquela traição que me fizeste.

— Pois, então, deixa-me rezar um padre-nosso antes de morrer.

— Pois reza.

Mas ele rezar, qual rezou! Não rezou nada e a Morte para não faltar à palavra foi-se sem ele. Um dia o homem encontra a comadre que estava por morta num caminho; e ele lembrou-se do bem que ela lhe tinha feito e disse:

— Minha rica comadrinha, que estás aqui morta; deixa-me rezar-te um padre-nosso por tua alma.

Depois de acabar, a Morte levantou-se e disse:

— Pois já que rezaste o padre-nosso, vem comigo.

O homem era esperto; mas a Morte ainda era mais, pois não era?

in Contos Populares Portugueses, de Adolfo Coelho

02 julho 2013

Cotovia

Cotovia do monte (Foto: Aves de Portugal)

Ciocârlia, que significa "cotovia" em romeno, é o nome de uma melodia muito conhecida. Há muitas pessoas que julgam que esta melodia é tradicional da Roménia, da Hungria ou dos Balcãs, mas não é. Ela deve ter sido composta no séc. XIX pelo romeno Angheluş Dinicu, que foi um virtuoso tocador de flauta de pã cigana. A seguir, podemos ouvir esta famosa melodia tocada no seu instrumento original.


Ciocârlia, de Angheluş Dinicu, por Gheorghe Zamfir, em flauta de pã cigana

O instrumento mais utilizado para tocar esta melodia, porém, não é a flauta de pã, mas sim o violino. Não há praticamente nenhum violinista cigano da Europa central e oriental que não tenha a Ciocârla no seu repertório. Foi, aliás, como peça para violino que esta melodia se popularizou, numa adaptação feita para este instrumento por Grigoraș Dinicu (1889-1948), que foi um extraordinário violinista e era neto do autor da peça.


Ciocârlia, de Angheluş Dinicu, por Grigoraș Dinicu, em violino

01 julho 2013

Os paraísos artificiais

Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.

Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.

O cântico das aves — não há cânticos,
mas só canários de 3º andar e papagaios de 5º.
E a música do vento é frio nos pardieiros.

Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.

A minha terra não é inefável.
A vida na minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.

Jorge de Sena (1919-1978)

Rua do Salitre, Lisboa (Foto de Barragon)