27 outubro 2014

Marcha Turca


A pianista chinesa Yuja Wang (nascida em 1987) toca um arranjo, da autoria do pianista russo Arcadi Volodos (nascido em 1972), da Marcha Turca, 3º andamento (Alla Turca – Allegretto) da Sonata para piano nº 11, em lá maior, K. 331, de Mozart (1756-1791)

20 outubro 2014

Um saleiro bini-português do séc. XVI

Saleiro de marfim em estilo bini-português, séc. XVI, Império do Benim, África Ocidental. British Museum, Londres, Reino Unido


O antigo Império do Benim ou Império Edo foi um estado africano que existiu entre os séculos XV e XIX, no sul da atual Nigéria, e não na atual República do Benim como seríamos levados a crer. Curiosamente, o próprio nome Benim, que é dado ao império, foi posto pelos portugueses à sua capital, originalmente chamada Ubinu, quando a ela chegaram em 1485.

Após a chegada dos primeiros mercadores portugueses ao Benim, estabeleceu-se um forte relacionamento comercial entre o império e Portugal. O Benim exportava para Portugal marfim, pimenta, óleo de palma e outros produtos tropicais, em troca de armas de fogo e outros artigos europeus que os portugueses lhe vendiam.

Só posteriormente é que o abominável tráfico de escravos se desenvolveu e atingiu proporções gigantescas no Benim e reinos vizinhos, como o do Daomé. No tráfico ocorrido nesta parte de África estiveram envolvidos não só portugueses, mas também e sobretudo ingleses e holandeses, além de outros europeus.

A arte do Benim atingiu níveis de qualidade absolutamente espantosos. Os seus bronzes e os seus marfins são de uma beleza capaz de tirar a respiração (ver, por exemplo, aqui e aqui). Embora tenham saído das mãos de artistas indiscutivelmente benineses, algumas destas obras refletem uma influência portuguesa mais ou menos nítida. Nalguns casos, mesmo, esta influência foi de tal maneira grande que a arte dela resultante tomou a designação de arte bini-portuguesa. Este é, sobretudo, o caso de objetos que eram encomendados por portugueses e que, por isso, se destinavam a satisfazer os gostos e as vontades dos clientes que faziam as encomendas.

De entre os objetos bini-portugueses mais representativos, sobressaem os saleiros de marfim. Nos séculos XV e XVI, o sal era um bem raro e precioso na Europa, que os nobres e mercadores gostavam de exibir nas suas mesas em ricos e artísticos saleiros. O objeto que acima se vê é, também ele, um saleiro bini-português do séc. XVI, é de marfim e pertence ao espólio do British Museum, de Londres.

13 outubro 2014

Le Bœuf sur le Toit


O compositor francês Darius Milhaud (1892-1974)

Le Bœuf sur le Toit é uma peça musical escrita em 1919 pelo compositor francês Darius Milhaud, inspirada na música popular brasileira. Darius Milhaud foi adido cultural da embaixada francesa no Rio de Janeiro entre 1917 e 1919. O título da peça vem de um tango chamado O Boi no Telhado, que foi lançado no carnaval de 1918 por Zé Boiadêro, pseudónimo de José Monteiro. Porém, ao contrário do que muita gente pensa, o tema principal da peça de Milhaud não é o do tango. Na verdade, o tema do tango só se ouve uma vez em toda a peça. Ao todo, estão incluídos em Le Bœuf sur le Toit de Milhaud perto de trinta temas populares brasileiros diferentes.

Originalmente, a obra Le Bœuf sur le Toit foi composta para violino e piano apenas, destinando-se a acompanhar um filme mudo de Charlie Chaplin. Em 1920, no entanto, o poeta e dramaturgo francês Jean Cocteau sugeriu a Darius Milhaud que se fizesse um bailado da obra, com base num argumento do próprio Cocteau. Milhaud adaptou então a peça para ser tocada por uma orquestra.

Refira-se ainda a título de curiosidade que Jean Cocteau abriu um cabaret em Paris em 1921, ao qual também deu o nome de Le Bœuf sur le Toit, com autorização expressa de Darius Milhaud. Entre os muitos frequentadores do cabaret de Cocteau contaram-se Maurice Ravel, Eric Satie, Stravinski, Mistinguett, Maurice Chevalier, Yvonne Georges, Man Ray, Charlie Chaplin, Diaghilev, Georges Simenon, André Gide, etc.



Le Bœuf sur le Toit, peça para bailado de Darius Milhaud, pela Orquestra do Ulster dirigida pelo maestro Yan-Pascal Tortelier. A partitura que aqui se vê é a de uma adaptação para dois pianos, feita posteriormente por Milhaud

10 outubro 2014

Poema do homem novo


Neil Armstrong pôs os pés na Lua
e a Humanidade saudou nele
o Homem Novo.
No calendário da História sublinhou-se
com espesso traço o memorável feito.

Tudo nele era novo.
Vestia quinze fatos sobrepostos.
Primeiro, sobre a pele, cobrindo-o de alto a baixo,
um colante poroso de rede tricotada
para ventilação e temperatura próprias.
Logo após, outros fatos, e outros e mais outros,
catorze, no total,
de película de nylon
e borracha sintética.
Envolvendo o conjunto, do tronco até aos pés,
na cabeça e nos braços,
confusíssima trama de canais
para circulação dos fluidos necessários,
da água e do oxigénio.

A cobrir tudo, enfim, como um balão ao vento,
um envólucro soprado de tela de alumínio.
Capacete de rosca, de especial fibra de vidro,
auscultadores e microfones,
e, nas mãos penduradas, tentáculos programados,
luvas com luz nos dedos.

Numa cama de rede, pendurada
da parede do módulo,
na majestade augusta do silêncio,
dormia o Homem Novo a caminho da Lua.

Cá de longe, na Terra, num burburinho ansioso,
bocas de espanto e olhos de humidade,
todos se interpelavam e falavam,
do Homem Novo,
do Homem Novo,
do Homem Novo.

Sobre a Lua, Armstrong pôs finalmente os pés.
Caminhava hesitante e cauteloso,
pé aqui,
pé ali,
as pernas afastadas,
os braços insuflados como balões pneumáticos,
o tronco debruçado sobre o solo.

Lá vai ele.
Lá vai o Homem Novo
medindo e calculando cada passo,
puxando pelo corpo como bloco emperrado.

Mais um passo.
Mais outro.
Num sobre-humano esforço
levanta a mão sapuda e qualquer coisa nela.
Com redobrado alento avança mais um passo,
e a Humanidade inteira,
com o coração pequeno e ressequido,
viu, com os olhos que a terra há-de comer,
o Homem Novo espetar, no chão poeirento da Lua, a bandeira da sua Pátria,
exactamente como faria o Homem Velho.

António Gedeão (1906-1997)


03 outubro 2014

Carl Philipp Emanuel Bach


Assinala-se este ano o terceiro centenário do nascimento do compositor alemão Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788), um dos muitos filhos de Johann Sebastian Bach e o mais talentoso de todos.

É praticamente impossível resistir à tentação de comparar a música de Carl Philipp Emanuel Bach com a de seu pai, que foi um génio inigualável no mundo da música. A música de Carl Philipp Emanuel, porém, dispensa comparações. Ela vale por si própria, não só por causa da sua enorme qualidade intrínseca, mas também por tudo o que de novo ela veio trazer.

Quando Carl Philipp Emanuel Bach surgiu no mundo da música, já o estilo barroco tinha atingido o seu apogeu, graças à obra incomparável do seu pai, Johann Sebastian Bach, e de outros grandes compositores, como Georg Philipp Telemann (que foi padrinho de Carl Philipp Emanuel), Antonio Vivaldi, etc. O barroco na música estava então em decadência. Era necessário inovar.

Enquanto outros compositores seus contemporâneos enveredaram pelo chamado estilo galante, que podemos considerar equivalente ao estilo rococó na arquitetura e que frequentemente caía na frivolidade e na superficialidade (o que lhe valia uma grande popularidade no seio das cortes europeias, nomeadamente na de Versalhes), Carl Philipp Emanuel Bach evoluiu do estilo barroco para um estilo novo: o estilo clássico.

O génio musical de grandes compositores clássicos que hoje são tão admirados, como Joseph Haydn ou Wolfgang Amadeus Mozart, não se teria manifestado da forma que nós conhecemos, se antes deles não tivesse existido Carl Philipp Emanuel Bach. «Ele é o pai, nós somos os filhos», disse dele Mozart, que tanto o admirava. Também Beethoven foi um grande admirador de Carl Philipp Emanuel, assim como Johannes Brahms que, várias décadas mais tarde, redescobriu e divulgou a sua música.

Ouçamos um pouco da música de Carl Philipp Emanuel Bach. Proponho a escuta de duas curtíssimas peças, o muito conhecido Solfeggietto e o Dueto nº 3 para dois instrumentos de teclas, e de uma das suas obras maiores, o Magnificat.



Solfeggietto, Wq.117.1 / H.220, de Carl Philipp Emanuel Bach, por Alex Dobshinsky no piano


Dueto nº 3 para dois instrumentos de teclas Wq. 115.3 / H. 612, de Carl Philipp Emanuel Bach, por Ernst Stolz em cravo


Magnificat em ré maior, Wq. 215 / H. 772, de Carl Philipp Emanuel Bach, por Felicity Palmer (soprano), Helen Watts (contralto), Robert Tear (tenor), Stephen Roberts (baixo), Orquestra da Academia de Saint Martin-in-the-Fields e Coro do King's College de Cambridge. Direção de Philip Ledger