24 fevereiro 2015

Álvaro, Oleiros

A aldeia de Álvaro, no concelho de Oleiros (Foto: Guia da Cidade)


Agora que se aproxima a primavera, é altura de se pensar em dar uns passeios pela natureza, sejam a pé, de bicicleta ou (só se não puder ser de outra maneira) de carro.

A zona centro de Portugal Continental, por exemplo, é uma região de enormes belezas naturais e, no entanto, é uma região relativamente pouco conhecida. Lousã, Góis, Castanheira de Pera, Pampilhosa da Serra, Alvares, Pedrógrão Grande, Cernache do Bonjardim e muitas outras localidades que se situam à volta da linha de delimitação entre os distritos de Coimbra e Leiria, por um lado, e da Guarda e Castelo Branco, por outro, são conhecidas apenas de uma minoria de portugueses. O que é muito estranho, dada a sua localização central em relação ao território continental português. A beleza destas e de outras localidades e, sobretudo, da paisagem que as envolve é verdadeiramente deslumbrante.

A região de que falo tem como espinha dorsal, digamos assim, o Rio Zêzere, que nasce na Serra da Estrela, perto de Manteigas, e desagua no Rio Tejo, junto a Constância, outra bela vila. O curso inferior do rio é bem conhecido e apreciado por quase toda a gente. O seu curso inicial, ao longo do único vale glaciar que existe em Portugal, também. Mas desde que abandona a Serra da Estrela até que chega às proximidades de Ferreira do Zêzere e de Tomar, a bacia do Rio Zêzere é quase uma desconhecida. E é-o injustamente.

Fixemos um ponto nas imediações do rio e façamos dele o centro dos nossos passeios. Este ponto pode ser a aldeia de Álvaro, no concelho de Oleiros, como poderia ser outra povoação qualquer. Álvaro tem a vantagem de ser uma aldeia de xisto (embora as suas casas, na sua maior parte, estejam rebocadas e pintadas de branco) e está situada num local de rara beleza, onde se respira um ar irrepreensivelmente puro e onde se sente uma infinita paz.


Uma rua de Álvaro (Foto: Aldeias do Xisto)


Parece-me que Álvaro é uma boa escolha. E é um excelente pretexto para que se faça a Rota das Aldeias do Xisto, que compreende 27 aldeias pertencentes a 16 concelhos dos distritos de Coimbra e de Castelo Branco. Sobre esta rota, aconselho uma consulta à página seguinte: http://aldeiasdoxisto.pt/aldeias.

Além das referidas aldeias de xisto, existem em volta de Álvaro outras vilas e aldeias que merecem uma visita, como não me canso de repetir. A um curto alcance de Álvaro estão Oleiros, Sertã, Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos, Vila de Rei, Castanheira de Pera, etc. Uma estrada que importa percorrer é a EN 350, que liga Pedrógão Grande a Oleiros e que, seguindo quase ao longo da crista da Serra Vermelha, proprociona vistas sobre o Zêzere que são de uma beleza inigualável. Também tem nas suas bermas fontes de água pura, de uma frescura como nenhuma outra.

O próprio Rio Zêzere, como não podia deixar de ser, marca fortemente a identidade da região. Devemos aproximar-nos das suas margens, contornar os seus meandros, banharmo-nos nas suas praias fluviais (quando o tempo o permitir), etc. É um bálsamo para a alma.


Álvaro, no centro da imagem, e as serras em volta (Foto: Kudō Maikeru)

17 fevereiro 2015

Carnaval, de Schumann








Carnaval, op. 9, de Robert Schumann (1810-1865), pelo pianista chileno Claudio Arrau (1903-1991)


Carnaval, Scènes mignonnes sur quatre notes, op. 9, é uma obra para piano solo escrita pelo compositor alemão do período romântico Robert Schumann. É constituída por 21 andamentos curtos, um dos quais (chamado Intermezzo: Paganini) não está numerado. Schumann compôs ainda mais um andamento não numerado (chamado Sphinxes), entre o nº 8 e o nº 9, que raramente é tocado. Nesta gravação, o pianista Claudio Arrau não o interpreta.

Os andamentos que constituem o Carnaval de Schumann são os seguintes:

1 — Préambule;

2 — Pierrot, personagem da Commedia dell'Arte, que representa um palhaço triste apaixonado por Columbina, mas esta prefere Arlequim;

3 — Arlequin, personagem da Commedia dell'Arte vestida de um fato em xadrês, que representa um criado bem-disposto, ágil e astuto, que compete com Pierrot na busca do amor de Columbina;

4 — Valse Noble;

5 — Eusebius, personagem imaginada pelo compositor, que representa o seu lado calmo;

6 — Florestan, personagem que representa o lado fogoso e impetuoso do compositor;

7 — Coquette, representando uma menina namoradeira e sedutora;

8 — Réplique, uma réplica à coquete;

9 — Papillons;

10 — A.S.C.H - S.C.H.A.: Lettres Dansantes;

11 — Chiarina, uma homenagem a Clara Schumann, esposa do compositor;

12 — Chopin, uma evocação do pianista e compositor Frédéric Chopin;

13 — Estrella, uma descrição musical de Ernestine von Fricken, que também foi namorada de Schumann;

14 — Reconnaissance, provável descrição de uma situação em que Robert Schumann e Ernestine se reconhecem num baile;

15 — Pantalon et Colombine, personagens da Commedia dell'Arte; Pantalone representa um velho avarento; Columbina representa uma criada, que é pobre, mas bela e maliciosa, e pela qual Arlequim e Pantalone estão apaixonados;

16 — Valse allemande;

— — Intermezzo: Paganini, uma evocação do violinista e compositor Niccolò Paganini;

17 — Aveu, uma confissão de amor;

18 — Promenade;

19 — Pause;

20 — Marche des Davidsbündler contre les Philistins; os Davidsbündler (companheiros de David) foram uma espécie de clube, criado por Schumann, que se reunia no Kaffeebaum de Leipzig e ao qual pertenciam, tanto personagens reais, como personagens imaginárias, entre as quais Eusébio e Florestan; a designação Filisteus aplicava-se aos reacionários, antiquados e sem sensibilidade artística.

15 fevereiro 2015

O "Enterro do Pai Velho", um carnaval diferente no Lindoso, Parque Nacional da Peneda-Gerês

(Foto: Carlos Gomes)

Quem é este Pai Velho? Uma espécie de despedida do Inverno e o acolhimento à Primavera que está a chegar? Recordação das festas dos "loucos medievais", colocando um ponto final ao tempo de excessos que precedem a Quarta-Feira de cinzas? O rito da fecundidade estimulado por uma nova seiva que vai surgir após as longas noites do solstício do Inverno?

O cerimonial mantém-se quase com os mesmos ingredientes medievos que encontramos na "Vaca das Cordas", ou na "Procissão do Corpo de Deus", em Monção com a tradição do Boi Bento, do Carro das Ervas, do Dragão e do S. Jorge, ou na Senhora D'Agonia com os seus Gigantones e Cabeçudos. Cumpre-se a tradição em Terras do Lindoso, sempre na época do Entrudo, nos lugares de Castelo e de Parada. Em dias de Domingo Gordo e Terça-feira de Carnaval.

Em frente aos espigueiros e à eira comunitária, tendo como cenário o Castelo Medievo, o busto de madeira do Pai Velho transportado num carro de bois, seguido de outro carro de bois, Carro das Ervas, engalanados, com a chiadeira habitual, tilintando de campainhas e com as cangas ornamentadas de monelhas, ramos de flores em cada chifre; à frente a lavradeira, camponesa rústica qual loura Ceres (Deusa da Fecundidade), bem ourada com os cordões das avós; atrás as rusgas de concertinas, bombos, ferrinhos e castanholas e a que não faltam as máscaras dos mais foliões, os "varredouros" — normalmente de chapéus de palha e face tapadas com panos esburacados, munidos de vassouras de varrer o forno... eis os cortejos de Domingo Gordo no lugar do Castelo, depois da missa e, da parte de tarde, no lugar de Parada, com idêntico cerimonial.

Tudo se esconde até terça-feira de carnaval onde idênticos cortejos se realizam ainda com festa mais rija, para terminar depois dos bailaricos, com a entrada de um novo cortejo, com uma dúzia de vultos de branco vestidos, cada um com uma vela acesa e uma cruz à vanguarda, iniciando-se todo um coro de gemidos e berraria, gritando: "Adeus Pai Velho — eras um bom Pai".

Segue-se o enterro do Pai Velho, cerca da Meia-noite, altura em que se atinge o clímax do ritual coletivo concretizado na queima do boneco de palha e a leitura do seu testamento. Pai Velho que não dispensa o "seu" ritual gastronómico em dia de Domingo Gordo.

E são os rapazes e raparigas que cantam os Reis que tem a obrigação da ceia composta pelo tradicional cozido onde não faltam a orelheira, salpicão de fumeiro, tracanaz de presunto (e o que lhe davam mais), os chispes (unhas de porco) e o focinho do reco.

Se lhe acrescentarmos umas boas costelas Barrosãs e um pé descalço, mais umas chouriças de cabaço, ai temos o cozido do Lindoso em honra do Pai Velho: duas travessas fumegantes a rescender a sabores de salgadeira, da vezeira e do quinteiro: a das carnes; outra com batatas, cenoura e couve-galega; o alguidar tortulho com arroz branco e rodelas de chouriça, paio e salpicão, tudo acompanhado de um verde tinto a deixar nas malgas vidradas uma velatura de musselina rósea.

E as grã-mestras da cozinha do Lindoso a dizerem-me prazenteiras e sorridentes: bom proveito, que lh'apreste. Cá fora, no terreiro do Castelo as concertinas e as vozes diziam:

"O Carnaval de Lindoso
É o melhor do concelho
Todos gostamos de ver
O enterro do Pai Velho"
Ass: Gracinda de Amorim

"Lindoso terra bonita
Onde se colhe bom pão
Festejam o Carnaval
Que não acabe a tradição!
Pai Velho não Morras!"

Francisco José Torres Sampaio, in Município de Ponte da Barca


Uma reportagem radiofónica sobre o "Pai Velho", já com alguns anos mas muito interessante, pode ser ouvida nesta página da rádio TSF: http://www.tsf.pt/Programas/programa.aspx?audio_id=889277&content_id=918320.

Uma pequena reportagem fotográfica da festa pode ser vista em http://bloguedominho.blogs.sapo.pt/ponte-da-barca-lindoso-enterra-o-pai-2197960.

11 fevereiro 2015

Angola nos trilhos da independência


Vídeo sobre as gravações feitas na província do Bengo para o projeto Angola nos Trilhos da Independência


Angola nos Trilhos da Independência é um projeto de Paulo Lara e da Associação Tchiweka de Documentação (ATD), em colaboração com a empresa angolana de audiovisual Geração 80. Este projeto tem por finalidade pesquisar e recolher, em vídeo e áudio, testemunhos orais de pessoas que tomaram parte, direta ou indiretamente, em Angola ou no estrangeiro, na guerra de libertação de Angola, entre 1961 e 1974.

O projeto Angola nos Trilhos da Independência teve início em 2010, prevendo-se que seja feita a sua apresentação final, como produto acabado, em 11 de novembro de 2015, 40º aniversário da proclamação da independência de Angola. Até agora, foram feitas 900 horas de gravações com cerca de 700 testemunhos.

O projeto Trilhos, como mais abreviadamente é chamado, faz lembrar imediatamente essa outra empresa que é a série de reportagens televisivas A Guerra, do jornalista português Joaquim Furtado. Há diferenças e semelhanças entre o projeto Trilhos e a série A Guerra:

— Tanto o Trilhos como A Guerra, pretenderam constituir um acervo de testemunhos e informações diretas e pessoais, prestadas pelos próprios protagonistas do conflito, que em Portugal é chamado guerra colonial e nas antigas colónias guerra de libertação;

— A série A Guerra pretendeu abranger as três frentes do conflito em que as Forças Armadas Portuguesas estiveram envolvidas, a saber, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau; o projeto Trilhos debruça-se unicamente sobre a guerra em Angola;

— Em A Guerra, Joaquim Furtado procurou ouvir, de forma mais ou menos equitativa, protagonistas de ambos os lados do conflito; em Trilhos sobressaem, pelo que me foi dado ver até agora, os testemunhos do lado angolano, quase sempre de antigos guerrilheiros e de pessoas que viveram nas regiões que foram palco da guerra;

— Com A Guerra, Joaquim Furtado terá querido realizar um documento histórico factual (sem o conseguir completamente, aliás); com Trilhos, Paulo Lara e os seus companheiros terão desejado fazer um documento empenhado, que enalteça o sentimento patriótico angolano.

No que a Angola diz respeito, tanto A Guerra como Trilhos dão um excessivo realce à ação de um dos movimentos de libertação, o MPLA, em detrimento dos outros dois. Este realce pode não ter sido intencional, mas existe e é evidente. A série A Guerra chega a deixar a impressão, a quem a veja, que à data de 25 de abril de 1974 a FNLA praticamente já não combatia as Forças Armadas Portuguesas, o que é falso. No dia em que se deu a Revolução dos Cravos, era precisamente no Norte (FNLA), assim como em Cabinda (MPLA), que se travavam os combates mais intensos em Angola.

No caso do projeto Trilhos, o próprio mentor do projeto, general Paulo Lara, é filho do dirigente histórico do MPLA Lúcio Lara, e é ele mesmo quem afirma, em entrevista ao site Rede Angola, que mais de metade dos entrevistados para o projeto foram do MPLA.

04 fevereiro 2015

O que temos a aprender

Índias brasileiras do povo Kamayurá (Foto: Takuman Kamayurá)

Se achamos que nosso objetivo aqui, na nossa rápida passagem pela Terra, é acumular riquezas, então não temos nada a aprender com os índios. Mas se acreditamos que o ideal é o equilíbrio do homem dentro de sua família e dentro de sua comunidade, então os índios têm lições extraordinárias para nos dar.
Cláudio Villas Bôas (1916-1998), sertanista brasileiro


Índios brasileiros do povo Yawalapiti (Foto: Claudio F Dutra)