28 fevereiro 2016

Poema imitado de Pablo Neruda

para o Eugénio de Andrade

A Paz nasce nas folhas duma pequenina erva.
A Paz nasce como a água: nas mãos dos homens.
A Paz nasce nos olhos dos camponeses
e no sorriso de João.
A Paz nasce numa rosa branca
ou no grito duma locomotiva
erguendo fontes no silêncio da noite.
A Paz nasce quando vejo o meu camarada
e me diz: bom dia!
A Paz nasce no martelo que se levanta.
A Paz nasce quando leio Walt
dormindo entre os cocheiros.
A Paz nasce quando os amantes se mordem
como se uma charrua rasgasse a terra.
A Paz nasce com José.
A Paz nasce quando o pescador abraça o seu irmão.
A Paz nasce quando a minha mãe me diz:
Deus te abençoe, meu filho!
A Paz nasce quando uma espingarda se cala.
A Paz nasce com a liberdade
ou na cor dos teus olhos.
A Paz nasce quando o poeta canta sem medo
o desespero e a esperança.

Manuel Dias da Fonseca (1923–2015)


(Foto de autor desconhecido)

25 fevereiro 2016

As Montanhas Mágicas

O rio Paiva visto da Ponte do Melo, nas proximidades de Travanca, concelho de Cinfães (Foto: António Camelo)


Agora que se aproxima a primavera, é meu dever chamar a atenção para uma das parcelas mais puras e naturais de todo o território continental português, a que alguém chamou, com toda a propriedade, "Montanhas Mágicas". Trata-se de uma região montanhosa que se situa entre os rios Douro e Vouga e que faz parte dos concelhos de Castelo de Paiva, Arouca, Vale de Cambra e Sever do Vouga, no distrito de Aveiro, e dos de São Pedro do Sul, Castro Daire e Cinfães, no distrito de Viseu. Engloba, nomeadamente, o maciço da Gralheira (constituído pelas serras da Freita, de Arada e do Arestal), a serra de Montemuro e os rios Douro, Paiva, Caima, Bestança e Vouga. A pureza e a beleza natural destas montanhas e destes rios só têm comparação com as do Parque Nacional da Peneda-Gerês, e mesmo assim são capazes de ganhar a este!

Pessoalmente, já percorri grande parte destas montanhas e destes rios e fiquei enfeitiçado por eles. Há locais pelos quais não consigo deixar de me sentir preso para sempre, como a aldeia abandonada da Drave, na serra de Arada, as quedas de água da Frecha da Mizarela, na serra da Freita, ou o rio Paiva em quase toda a sua extensão. É-me, por isso, difícil recomendar uma visita a este ou àquele local, sem cometer a injustiça de omitir um outro local igualmente merecedor de uma atenta visita. Felizmente, existe um site onde nos é proposto todo um conjunto de trajetos e de locais a visitar, e cuja consulta recomendo fortemente. Chama-se Rota da Água e da Pedra e está neste endereço: http://www.rota-ap.pt/.

Não recomendo que se espere pelo verão para se fazer uma visita às Montanhas Mágicas. A cada ano que passa, há uma afluência cada vez maior de visitantes, mormente aos passadiços do Paiva e à Frecha da Mizarela, a ponto de se registarem engarrafamentos de trânsito que quase fazem lembrar os da VCI ou do IC19… Na minha humilde opinião, a melhor ocasião para se percorrer a região é a primavera, sobretudo os meses de abril e maio, ou então o mês de outubro. Outra recomendação que quero deixar: andar a pé o mais possível, deixando o automóvel estacionado num lugar em que não incomode ninguém.

Para aguçar o seu apetite por estas maravilhosas Montanhas Mágicas, proponho-lhe que veja o filme que se segue. As imagens que ele mostra são mais eloquentes do quaisquer palavras que eu possa exprimir.

Boa viagem até às Montanhas Mágicas.


21 fevereiro 2016

Um… Dois… Um Dois Três Quatro Cinco Minutos de Jazz!


Lou's Blues, de Lou Donaldson, com Lou Donaldson em saxofone alto, Horace Parlan no piano, Blue Mitchell em trompete, Laymon Jackson em contrabaixo, Dave Bailey na bateria e Ray Barretto nas congas, numa gravação feita em 1959 para a etiqueta Blue Note


Completam-se hoje cinquenta anos sobre a primeira transmissão da rubrica de rádio de José Duarte chamada Cinco Minutos de Jazz, a qual foi inserida no programa A 23ª Hora, de João Martins, que a Rádio Renascença transmitia diariamente entre as 23 horas e a meia-noite. A rubrica Cinco Minutos de Jazz mantém-se no ar, agora na Antena 1, sendo certamente o programa mais antigo da rádio portuguesa. Pela parte que me toca, estou profundamente agradecido a José Duarte por me ter ensinado a gostar de jazz através da sua rubrica, que eu ouvia religiosamente todos os dias sem falhar. José Duarte é um monumento e os seus Cinco Minutos de Jazz são outro monumento. Obrigado, José Duarte.

Em cima, dou a ouvir a peça musical com base na qual é feito o indicativo da rubrica. Sobre este indicativo, José Duarte pronuncia as palavras que dão título a este post, acompanhando o ritmo da música.

15 fevereiro 2016

O Zambeze

(Foto de autor desconhecido)


O Zambeze é uma larga e majestosa fita de prata que separa a terra do céu. Uma grande cobra que vem de Angola e corre para o mar, para o fim do mundo. Da boca dessa cobra gerações e gerações de antepassados se despediram desta vida e penetraram nas brumas do além amarrados uns aos outros, e ainda bem, porque desta forma, muito juntos nos porões escuros dos barcos, ficava pouco espaço para os seus medos e terrores. E era muito mal feito esse sistema de levar as pessoas para a morte, para o espaço branco além das brumas, quando elas ainda estavam vivas e na força da idade. Melhor seria que as tivessem logo enterrado ali, convenientemente, seguindo os costumes que os deuses prezam. Assim, desta maneira, quantos ficaram órfãos à partida por não terem espíritos protectores dispostos a acompanhá-los naquela grande viagem sem regresso. E os espíritos que ousaram partir, fazendo da ligação aos protegidos um princípio primordial, perderam-se do outro lado das brumas quando os homens se tornaram defuntos, ficando a vogar sem abrigo terreno e sem saber o caminho do regresso. Melhor teria sido que os barcos que retornavam para buscar mais gente aproveitassem o espaço disponível para trazer de volta os espíritos perdidos ao seu lugar. Mas não, esses barcos chegavam vazios e em resultado de tudo isto ficaram os da terra sem ligação ao céu e os do céu a vogar por esse mundo largo, sem ligação à terra.

É o Zambeze essa grande estrada que flui para o mar. E flui com tal força, na sua correnteza, que levou essa gente toda como uma gigantesca carótida que expelisse o sangue todo da terra em golfadas borbulhantes e sucessivas. E ao fazê-lo, espalhou por esse mundo fora as histórias de nobreza desta terra — tornou-a conhecida nos quatro cantos do mundo através da imaginação fantasiosa daqueles que a deixaram. E os ouvintes estrangeiros, crendo ou não nesses delírios de verdade e de saudade, ouviram pelo menos mencionar o nome dessa terra e intrigaram-se.

Por isso, em números crescentes vieram homens brancos do outro lado do mar, contra o fluxo descendente e avassalador, e treparam por ali acima para chegar àquilo que erradamente chamaram o fim do mundo quando afinal não era mais que o princípio desse mesmo mundo: o ponto a partir de onde os mensageiros forçados foram enviados aos quatro cantos da terra a cortar cana (não há como negá-lo) mas, sobretudo, a cantar a sua terra como origem de todas as coisas e mais maravilhosa do que na realidade é, porque é sabido que a ausência e a distância realçam e inventam os méritos e atenuam ou apagam os defeitos.

E subindo o rio os homens brancos continuaram, como se viu, a enviar a carga humana para a foz, e dali para o outro lado do mar. (…)

João Paulo Borges Coelho, escritor e historiador moçambicano, in As Duas Sombras do Rio

09 fevereiro 2016

Tico-tico no Fubá


Tico-tico no Fubá, célebre "choro" de Zequinha de Abreu, e Aquarela do Brasil, não menos célebre samba de Ary Barroso, com as personangens de desenhos animados de Walt Disney, Pato Donald e Zé Carioca

07 fevereiro 2016

As "ilhas" flutuantes do lago Titicaca

(Foto de autor desconhecido)


O lago Titicaca é um lago de água doce que tem uma extensão de 8 562 km2 e está situado no Altiplano Andino, a 3 812 metros de altitude, na fronteira entre o Peru e a Bolívia. É o lago navegável mais alto do mundo.

Uma das maiores atrações do lago Titicaca são as suas "ilhas" flutuantes, que são habitadas pelos Uros, um povo autóctone. Estas "ilhas" são feitas de um junco, chamado totora, que existe em abundância no lago e que é empilhado e entretecido de modo a constituir uma grossa camada que permita manter seca a sua superfície superior. Esta malha densa e insubmersível de totoras é chamada khili. À medida que, com o passar do tempo, as totoras forem apodrecendo, elas vão sendo substituídas por outras, num processo contínuo de renovação da "ilha". Sobre este peculiar "solo", os Uros erguem as suas casas, que são feitas de esteiras, também de totora. O número de famílias que vivem em cada "ilha" varia habitualmente entre três e dez.


(Foto de autor desconhecido, provavelmente de Alfredo Bianco Geymet)


A maior parte das "ilhas" flutuantes do lago Titicaca fica na parte peruana do lago, mais concretamente na baía de Puno. Nos últimos anos também têm sido construídas "ilhas" na parte boliviana.

O Uros são um povo muito antigo (mais antigo do que os Incas) e possuíam uma língua própria chamada pukina. Esta língua encontra-se atualmente extinta e os Uros do Titicaca falam agora as línguas aimara e castelhana. Análises feitas ao seu ADN têm revelado que os Uros pertencem ao grupo étnico Arawak. Os Uros dedicam-se, sobretudo, à pesca artesanal e à caça de aves silvestres, mas há cada vez mais membros deste povo que se dedicam a atividades associadas ao turismo.


Embarcações típicas dos Uros. Lago Titicaca, Puno, Peru (Foto: Avinash Achar)

01 fevereiro 2016

Fevereiro

Fevereiro, iluminura do livro Les Très Riches Heures du Duc de Berry