29 abril 2016

Dança: Objeto de Arte e de Reflexão

(Foto: CDC Angola)

A propósito do Dia Mundial da Dança, que hoje se assinala, a Companhia de Dança Contemporânea de Angola, que tem sede em Luanda, emitiu a mensagem que a seguir se reproduz e que é merecedora de reflexão.

Instituído pela UNESCO no ano de 1982, o dia 29 de Abril é celebrado em todo o mundo como o dia Mundial da Dança em homenagem o coreógrafo francês Jean-Georges Noverre (1727-1810).

No início, o Homem dançou para celebrar ou para rogar as dádivas de poderosas e desconhecidas entidades, mas com a estruturação das formações sociais, a dança foi diversificando os seus propósitos e funções. Divididas em classes, as sociedades continuaram a utilizar a dança como meio de recreação e de interacção entre os seus membros. A par das danças populares, as danças de corte europeias progrediam para uma posição de destaque nos grandes espectáculos cujas exigências acabaram por requerer a profissionalização.

No ano de 1661, Luís XIV, rei de França (ele próprio bailarino), funda a primeira instituição para o ensino profissional da dança. Mais tarde, com as contribuições de Noverre, a dança afirma-se como arte independente, sob a premissa de que um profissional deveria possuir, a par de uma sólida formação técnica, uma cultura e um conhecimento alargados e abrangentes. A partir daí foram-se consolidando, em todo o mundo, as metodologias para o ensino da dança que hoje vigoram nas escolas de formação de bailarinos, professores e coreógrafos.

Também em Angola começou a ser desenhada, ainda nos primeiros anos da independência do país, uma estratégia para o desenvolvimento do ensino artístico, com a abertura das Escolas de Arte. Infelizmente a Escola de Dança, embora fosse uma instituição oficial e estatal, viu-se confrontada desde cedo com inúmeras contrariedades que a impediam de cumprir o seu objectivo essencial: formar profissionais dentro dos padrões de um saber especializado universal. A indiferença perante a importância do ensino artístico, enquanto domínio científico, ditou que a escola deveria servir essencialmente para ensinar as ‘danças nacionais’ (entenda-se tradicionais e populares), tendo como consequência a actual situação de, 40 anos passados, não termos nem profissionais de dança angolanos suficientes, nem uma classe da dança em Angola.

Esta fragilidade, aliada ao pouco esforço efectuado no sentido de desenvolver uma estratégia de educação artística massiva, conduziu à propagação do discurso irresponsável de sobrevalorização de um património essencial antigo, continuando a remeter-se parte importante da sociedade angolana à ignorância sobre os demais contextos em que a dança se manifesta, nomeadamente, a sua vertente artística e intelectual.

Há anos que a dança tem vindo a negociar propostas criativas com outras linguagens e mesmo com outros campos disciplinares. E, neste vasto universo de experiências, abrem-se portas para novas e extraordinárias consolidações. Actualmente produzem-se criações em associação com as "novas" tecnologias, por exemplo, onde a dança se reinventa em renovadas linguagens e beneficia das conquistas sociais, técnicas e científicas que, necessariamente, acompanha.

Mas em Angola, e ao contrário do que se verifica noutros sectores, estamos cada vez mais afastados do progresso artístico mundial e cativos dos perigos de um insistente e falacioso discurso sobre identidades e pertenças, com o qual se vai distorcendo a verdadeiro sentido do que é a dança e do que ela representa nas distintas realidades culturais e sociais.

Como resultado deste olhar monolítico sobre a dança, exalta-se hoje o culto da mediocridade, agravado pelo facto de, com um folclore inventado para turistas, continuamos, em detrimento de nós mesmos, a alimentar a imagem redutora que o ocidente construiu e continua a querer perpetuar, de uma África parada no tempo, primitiva e idílica, ao som de tantãs e pores-do-sol inigualáveis.

(Foto: Rui Pinheiro)

A verdade é que a máquina do progresso funciona a uma velocidade inflexível. Assim, ao mesmo tempo que protegemos as nossas tradições, urge que nos abramos ao mundo, urge que se dê à sociedade angolana o direito de ver mais além; há que perceber que as danças patrimoniais não são tudo o que um povo acumula, pois as criações modernas e contemporâneas integram igualmente o património artístico dos povos e do mundo. É tempo de experimentarmos a sabedoria de assumir a Dança, enquanto arte e não apenas enquanto produto descartável de divertimento circunstancial; há que olhar para a dança como património universal, sem nacionalidades e sem fronteiras; e é fundamental que se dê dignidade aos verdadeiros profissionais, convencendo-nos de que essa designação é uma exclusividade daqueles que adquirem um saber especializado em instituições próprias. Está na hora de se aceitar a Arte como algo incómodo, inovador, frontal e transformador.

Angola tem, desde 1991 a Companhia de Dança Contemporânea que, numa condição de sobrevivência que em nada dignifica o nome do país, resiste há muitos anos empenhando-se para modificar este cenário, criando e partilhando outros caminhos artísticos, outras linguagens, outras estéticas; que pretende mostrar a diferença entre o entretenimento vulgar e a Arte enquanto produto de reflexão e de profundo investimento intelectual; que se esforça por demonstrar que dançar e coreografar não significam apenas movimentar o corpo ou organizar indivíduos num palco, mas fazê-lo de forma consciente, segundo técnicas e códigos aprendidos; que tenta, nas poucas oportunidades que lhe são dadas, mostrar a Dança no seu estado de maior elaboração: a dança teatral ou cénica.

Hoje, em tempo de reflexão, o colectivo que constitui a única companhia profissional angolana – uma das primeiras em África e membro do Conselho Internacional da Dança da Unesco – insiste que é fundamental mostrar ao país e ao mundo que a NOVA ANGOLA também possui um eixo de difusão de uma NOVA DANÇA e pede solidariedade para poder viver e todos contagiar com a sua imensa vontade de manter abertas as portas da inovação e do progresso para bem do desenvolvimento da dança angolana.

A CDC Angola é genuína, é nacional e cumpre este ano 25 anos de existência a inovar, conquistando o público dentro e fora do país!

Saudações coreográficas!

Gabinete de Divulgação e Imagem da Companhia de Dança Contemporânea de Angola, em Luanda, aos 26 de Abril de 2016

(Foto: Rui Pinheiro)

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