31 dezembro 2016

Dia de São Silvestre


Abertura (Sinfonia), do Te Deum de 1792 de João de Sousa Carvalho (1745–c.1798), pela Orquestra Gulbenkian dirigida por Pierre Salzmann

No séc. XVIII, tornou-se tradição em Lisboa o canto de um Te Deum no último dia de cada ano (dia de São Silvestre), a fim de agradecer a Deus a dádiva de um ano que passou. Esta tradição foi iniciada pelos jesuítas, que realizavam a cerimónia na Igreja de São Roque, que era o templo da Companhia de Jesus na capital portuguesa. Com o passar dos anos e com a intervenção do rei D. João V, esta celebração em São Roque foi ganhando cada vez mais solenidade e grandiosidade, até que no Te Deum que foi cantado no último dia do ano de 1719, da autoria de Cristóvão da Fonseca, tomaram parte quinze coros!

Um dos mais notáveis Te Deum, de todos quantos foram celebrados na Igreja de São Roque, foi cantado em 1734 e foi da autoria de António Teixeira (1707–1774). É um Te Deum para cinco coros, oito cantores solistas e orquestra. No Youtube, uma alma caridosa publicou a única gravação que existe deste magnífico Te Deum, repartida por sete "vídeos", o primeiro dos quais tem o endereço https://www.youtube.com/watch?v=MeRdUJ1WQnM.

Quando o Marquês de Pombal expulsou os jesuítas de Portugal, a Igreja de São Roque passou para as mãos da Misericórdia de Lisboa, em cuja posse ainda se encontra. O Te Deum de fim de ano passou então a cantar-se na Capela Real da Ajuda, de dimensões mais reduzidas do que as da Igreja de São Roque. Foi para esta capela que o notável compositor João de Sousa Carvalho (1745–c.1798) escreveu três Te Deum, celebrados no fim dos anos de 1769, 1789 e 1792. Aqui se dá a ouvir o início e o fim do Te Deum de 1792.

Há a destacar a seguinte característica nos Te Deum de fim de ano celebrados em Lisboa: começavam por uma Sinfonia, que era uma abertura apenas instrumental, seguida do hino O Salutaris Hostia. Só depois é que era interpretado o Te Deum propriamente dito, findo o qual era ainda cantado um Tantum Ergo Sacramentum.



Tantum Ergo, do Te Deum de 1792 de João de Sousa Carvalho (1745–c.1798), pela Orquestra e Coro Gulbenkian dirigidos por Pierre Salzmann

28 dezembro 2016

A igreja paroquial de Carcavelos, Cascais

Fachada principal da igreja paroquial de Nossa Senhora dos Remédios, Carcavelos, Cascais (Foto: Geraldo Salomão)


Quem só vir a igreja de Carcavelos por fora, não desconfiará do que ela tem por dentro.

Por fora, a igreja paroquial de Carcavelos, que é dedicada a Nossa Senhora dos Remédios, é um templo muito simples e harmonioso, construído nos inícios do séc. XVII, rodeado de frondosas e frescas árvores e circundado por estreitas ruas e pequenas e tranquilas pracinhas. Quase nos julgaríamos a muitos quilómetros de distância das urbanizações-dormitórios, que dos anos 60 para cá transformaram radicalmente a paisagem dos arredores de Lisboa, Carcavelos incluída.

Esta igreja foi construída num tempo em que Carcavelos era uma aldeia saloia, rodeada de quintas banhadas pelo sol, das quais saía um precioso néctar, o vinho de Carcavelos, que era um vinho generoso que atingiu grande fama e era exportado para Inglaterra sob a designação de Lisbon wine. Hoje, o vinho de Carcavelos é uma raridade, quase em extinção. Só nas lojas especializadas em vinhos é que é possível encontrar à venda alguma garrafa de "Carcavelos D.O.C.". Em vão a encontraremos em algum supermercado.

Não se pode descrever o encantamento que se sente quando se entra na igreja de Carcavelos. Em vez de nos depararmos com uma igreja soturna e cheirando a bafio, transbordando de pesada e sufocante talha barroca por todos os lados, como são quase todas as igrejas de Portugal, vemo-nos dentro de uma igreja linda, com uma maravilhosa capela-mor coberta de preciosos e coloridos azulejos do séc. XVII, assim como uma nave cujas paredes também se encontram cobertas até meia altura por silhares de azulejos, igualmente seiscentistas e igualmente coloridos. A cor e a frescura dos azulejos fazem da igreja de Carcavelos um lugar de paz, de beleza e de refrigério sem par.


Capela-mor da igreja paroquial de Nossa Senhora dos Remédios, Carcavelos, Cascais (Foto: Alto do Lagoal e Vale da Terrugem)

25 dezembro 2016

José embala o Menino


José embala o Menino, cântico de Natal e canção de embalar tradicional portuguesa da região de Monsanto, Beira Baixa, numa harmonização do compositor português contemporâneo Eurico Carrapatoso (nascido em 1962), por solistas não identificadas, o Coro Infantil da Universidade de Lisboa e o Novo Coro Infantil de Amesterdão dirigidos por Érica Mandillo

24 dezembro 2016

Natal de camuflado

Natal em zala, Natal de camuflado e arma
ao alcance da mão, Natal com as constela-
ções voltadas ao contrário por cima da ca-
beça, Natal na grande catedral verde da
floresta com todas as portas abertas.

Natal de uma aliança a pesar toneladas
na mão esquerda, de vinte mil cordas aper-
tando lentamente a garganta, de uma gui-
tarra a não sei quantos biliões de anos-dor.

Natal transparente e puro e frágil como
os olhos de minha mãe, como as lágrimas
de minha mãe, como a recordação de minha
mãe.

Natal de uma senhora de presépio que eu
fiz, daquele mesmo pó que me entrou tantas
vezes nos pulmões, e era preciso molhar to-
dos os dias uma data de vezes, ir afagando
sempre com os dedos, para que não estalasse
antes do Natal.

Senhora que voltou a ser pó, pó na pista
de zala, no morro das pedras, em s. sebas-
tião, pó na picada de nambuangongo, a en-
trar nos pulmões de outros homens, também
de camuflado e arma ao alcance da mão,
cada um com vinte mil cordas apertando
lentamente a garganta, e uma guitarra, com
unhas de raiva, fazendo eco num poço sem
fundo dentro do peito.

José Correia Tavares, in Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial, de Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi (Org.), Edições Afrontamento, Porto, 2011


Um recanto de Zala, quartel do Exército Português no coração da Guerra Colonial no norte de Angola, em julho de 1974 (Foto: Alberto Nogueira)

18 dezembro 2016

Joiku


The Joiku, da obra coral Primitive Music, da autoria do compositor contemporâneo finlandês Jukka Linkola, nascido em 1955. A interpretação é do Coro Infantil Hua-Shin, de Taipé, Formosa (Taiwan). O joiku é uma técnica de canto usada na Carélia russa (região vizinha da Finlândia) e na Lapónia, que consiste numa espécie de descrição melódica de uma pessoa, de um animal ou de uma paisagem, como a tundra. No joiku, a melodia é mais importante do que as palavras, pode haver partes improvisadas e podem ser pronunciadas sílabas sem sentido.

17 dezembro 2016

Poesia depois da chuva

Depois da chuva o Sol — a graça.
Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos de água atravessando a praça
— luz a fluir, num fluir imperceptível quase.

Canta, contente, um pássaro qualquer.
Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.
O fundo é branco — cal fresquinha no casario da praça.

Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.

Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, não duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às manhãs do princípio!

E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro.
Grácil, tão grácil!… Pura imagem da Tarde…
Flor levada nas águas, mansamente…

(Fluía a luz, num fluir imperceptível quase…)

Sebastião da Gama (1924–1952), in Pelo Sonho é que Vamos



(Foto: Thomas Lhomme)

11 dezembro 2016

Mar

Mar

Nosso caminho
Nossa estrada…

Mar

Nosso confidente
E companheiro…

Mar

Nossa casa
E cemitério…

Mar!

Há no teu fundo
Esqueletos brancos
De corpos outrora negros…
Há esqueletos livres
De corpos outrora presos…
(Tu devoraste o ferro das correntes
E puliste os ossos…)
Há esqueletos de patrões e escravos,
Lado a lado!
…………………………………
E há um grito no Mar, continuamente,
Grito que nasceu e quedou morto
Nas mandíbulas cerradas
E falanges destroçadas
Dos esqueletos!

Mário António (1934–1989), poeta angolano


Museu Nacional da Escravatura, Luanda, Angola. Por esta capela do séc. XVII, chamada Capela da Casa Grande e situada no Morro da Cruz, em Luanda, passaram milhares e milhares de escravos. Nela, os escravos eram batizados antes de serem embarcados nos navios negreiros (Foto: Sapo Angola)

06 dezembro 2016

Tango é isto


Tango La cumparsita, de Gerardo Matos Rodríguez (1897–1948), pela Orquestra Típica Juan d'Arienzo, dirigida pelo maestro argentino Juan d'Arienzo (1900–1976)

01 dezembro 2016

Dezembro

Dezembro, iluminura do livro Les Très Riches Heures du Duc de Berry