28 janeiro 2017

A mais antiga panorâmica de Lisboa

Iluminura em pergaminho do códice manuscrito Chronica do Muito Alto e Muito Esclarecido Príncipe D. Afonso Henriques, Primeiro Rey de Portugal, publicado em 1505 por Duarte Galvão (1446–1517). Museu dos Condes de Castro Guimarães, Cascais


Esta iluminura mostra a mais antiga vista panorâmica que se conhece da cidade de Lisboa. Ela mostra a capital portuguesa tal como ela era no início do séc. XVI. Ao alto está o castelo de S. Jorge, que ainda há pouco tinha sido residência do rei de Portugal, sob a designação de Paço da Alcáçova. À data da publicação desta obra, o rei D. Manuel tinha acabado de se mudar para um novo palácio real, o Paço da Ribeira, construído junto ao rio Tejo. O Paço da Ribeira é a construção que se vê em baixo, à esquerda, que incluía uma alta torre, um jardim (presumo) e um longo edifício que entrava pelo rio dentro, acabando numa torre com uma varanda, da qual o rei e a sua corte assistiam à partida e chegada das naus da carreira da Índia. À direita do Paço da Ribeira, vê-se um vasto terreiro, que talvez fosse mais praia do que outra coisa, que era o Terreiro do Paço. No meio do casario, vê-se a Sé de Lisboa. Mais à esquerda, está uma vasta praça, que é o Rossio. No canto superior esquerdo ergue-se, altaneiro, o convento do Carmo.

Note-se que esta iluminura destina-se a ilustrar uma crónica de D. Afonso Henriques. Ela foi feita, portanto, para ilustrar a tomada de Lisboa aos mouros pelo primeiro rei de Portugal. Ora a tomada de Lisboa aos mouros aconteceu no séc. XII e não no XVI. Esta iluminura contém, portanto, um evidente anacronismo. A Lisboa quinhentista representada na iluminura seria, afinal, a Lisboa mourisca de 350 anos antes e, à sua volta, veem-se as tropas de D. Afonso Henriques, cercando a cidade e prontas para atacá-la. No Tejo está a armada de cruzados que auxiliou o primeiro rei de Portugal. Entre as várias embarcações que se veem no rio em frenta à cidade estão duas caravelas e duas naus, que são embarcações que ainda não existiam no séc. XII, o que constitui mais um anacronismo.

23 janeiro 2017

Sonata ao luar


Sonata para piano em dó sustenido menor, n.º 14, Op. 27, n.º 2, que foi chamada Ao Luar, de Ludwig van Beethoven (1770–1827), pelo pianista chileno Claudio Arrau (1903–1991)

16 janeiro 2017

Quando eu morrer

(para o Aniceto Vieira Dias e "Liceu" de "N'Gola Ritmos")

Quando eu morrer
eu quero que o N'Gola Ritmos
vá tocar no meu enterro.

Como Sidney Bechet
como Armstrong
eu gostarei de saber

que vocês
tocaram no meu enterro.

Lá no céu também há "angelitos negros"
e eu gostarei de saber
que vocês
me tocaram no enterro.

Se não puder ser
deixem lá
tocarão noutro lado qualquer
com lágrimas nos olhos
como naquela noite
em casa do Araújo
lembrarão o companheiro
das noites de Luanda
das noites de boémia
das tardes de moamba.

Ah! Quando eu morrer
já sabem
quero que o meu caixão
vá no maxibombo da linha do Cemitério
quero que toquem
a Cidralha
ou convidem a marcha dos Invejados.

É assim que eu quero ir
acompanhado da vossa alegria
bebedeiras seguindo o enterro
as velhas carpideiras de panos escuros
quero um kombaritókué dos antigos
que vai ser muito falado.

Não convidem mulatas
que sempre estragam tudo
Se vierem
não lhes vou rejeitar.
Cantem apenas
alguns dos meus poemas
até enrouquecer.

Ah! quando eu morrer
eu quero o N´Gola Ritmos
tocando no meu enterro.

Ernesto Lara Filho (1932–1977), poeta e jornalista angolano


TENTATIVA DE GLOSSÁRIO

Moamba — prato típico da culinária angolana, habitualmente de galinha
Maxibombo — autocarro; ônibus
Cidralha — nome de uma música tradicional do carnaval de Luanda
Marcha dos Invejados — nome de um grupo carnavalesco de Luanda
Kombaritókuè — (literalmente, "varrer as cinzas") tradição luandense que marca o fim do período de choro de um morto após o seu enterro, equivalente à missa do sétimo dia na tradição católica; funeral



Nzaji (Raio), pelo conjunto Ngola Ritmos, de Luanda, Angola

10 janeiro 2017

Para onde foram as andorinhas?


Um filme premiado sobre os efeitos das alterações climáticas, causadas pela destruição da floresta, na vida dos povos indígenas do Brasil

07 janeiro 2017

A tentativa do impossível

La Tentative de l'Impossible, de 1928, autorretrato do pintor surrealista belga René Magritte (1898–1967). Óleo sobre tela. Coleção particular

01 janeiro 2017

Fala do Velho do Restelo ao Astronauta

Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.

No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.

José Saramago (1922–2010)