25 fevereiro 2017

Os primeiros europeus a chegarem ao Butão


Moeda comemorativa cunhada pelo Butão para assinalar a chegada àquele reino do padre jesuíta português João Cabral

À data em que escrevo este artigo ainda não teve lugar a atribuição dos óscares para o ano de 2017. Por isso não sei se o filme Silêncio, de Martin Scorsese, ganhou o não o prémio de Melhor Fotografia. Como é sabido, Silêncio é um filme que aborda a presença de padres jesuítas portugueses no Japão no séc. XVII.

Não foram só a Índia, o Japão e a China os países asiáticos aonde os jesuítas portugueses chegaram. Imbuídos de grande fervor religioso e pondo em prática o intenso proselitismo que caracterizava a Companhia de Jesus, os jesuítas atingiram as mais recônditas paragens da Ásia, tendo sido os primeiros europeus a visitá-las. Por exemplo, o padre jesuíta português António de Andrade foi o primeiro europeu a chegar ao Tibete, facto que ocorreu no ano de 1624.

Pouco depois, dois outros jesuítas, os padres Estêvão Cacela e João Cabral, partiram em 1626 da cidade de Cochim, no sul da Índia, com destino aos Himalaias. Eles foram os primeiros europeus a chegar ao Butão, facto que ocorreu em 1627, assim como ao Nepal e ao Sikkim, um pequeno e antigo reino situado entre o Nepal e o Butão, que é hoje um estado da União Indiana. Mais: eles foram os primeiros europeus a viajar pelos Himalaias no inverno. Acabaram por atingir o Tibete, onde fundaram uma missão na cidade de Xigazê.

Tudo isto não seria mais do que uma mera curiosidade histórica, se não se desse o caso de a viagem destes dois padres portugueses ter tido uma importância fundamental para o estudo da História do Reino do Butão. Sem eles, nada ou quase nada se saberia sobre as circunstâncias em que ocorreu a fundação daquele pequeno reino budista dos Himalaias, empreendida pelo rei (Shabdrung) Ngawang Namgyal, assim como o modo como então se vivia naquela parte do mundo.

Os padres Estêvão Cacela e João Cabral permaneceram oito meses no Butão. Durante esse tempo, o padre Cacela escreveu uma longa carta ao seu superior em Cochim, relatando a sua viagem e dando conta das observações que fez, nomeadamente no próprio Butão. Esta carta, chamada A Relação, está no Vaticano e é o único relato que se conhece sobre o Shabdrung Ngawang Namgyal e a fundação do Reino do Butão. Não admira, portanto, que Cacela e Cabral sejam duas personalidades que os butaneses conhecem bem dos seus livros de História.



Trailer de um filme da ONG alemã Pro Bhutan e.V. sobre a sua ação no Butão

O Butão é um país encravado nos Himalaias, entre a Índia e a China. Tem um comprimento de cerca de 300 km, uma largura de cerca de 150 km e uma área total de 38 394 km2. A sua altitude varia entre os 300 metros no sul e os mais de 7 mil metros no norte. A população atual ronda os 750 mil habitantes. A capital é Thimphu, com cerca de 100 mil habitantes. O principal produto de exportação do Butão é a eletricidade, que é gerada em barragens e vendida à Índia.

Politicamente, o Butão é desde 2008 uma monarquia constitucional, com um parlamento democraticamente eleito.

Nos anos 90 do século passado, o governo do Butão expulsou a população de etnia Lhotshampa, de origem nepalesa e que constituía um quinto da população total do país, e negou-lhe a cidadania butanesa, tornando-a apátrida. Alguns Lhotshampas têm sido ultimamente autorizados a regressar e a fixar-se em zonas desabitadas do sul.

Na língua oficial do país, chamada Dzongkha, o Butão é chamado Druk Yul, nome que significa "Terra do Dragão do Trovão", por causa das furiosas tempestades que vêm das montanhas dos Himalaias.

Por imposição constitucional, a floresta deve cobrir permanentemente pelo menos 60% da área do país.

A idade média da população butanesa é de 22,3 anos. Um terço da população tem menos de 14 anos.


(Foto: Claude Pesant)

A capital do Butão, Thimphu, é uma das duas únicas capitais asiáticas onde não existem semáforos para regular o trânsito. A outra capital é Pyongyang, na Coreia do Norte.

O Butão é o único país do mundo onde a venda de tabaco é proibida.

Com 7570 metros de altitude, Gangkhar Puensum é a montanha mais alta do Butão e é a mais alta montanha do mundo que nunca foi escalada.

Manda a tradição butanesa que, se alguém lhe oferecer comida, deve recusar, dizendo as palavras «meshu meshu» e cobrindo a boca com as mãos. Se insistirem mais uma ou duas vezes, então pode aceitar.

Se alguém matar um grou de pescoço negro, que é uma espécie de ave sagrada e em risco de extinção, pode ser condenado a prisão perpétua.

O Butão foi um dos últimos países do mundo a ter televisão e internet. A primeira emissão de televisão ocorreu em 2 de junho de 1999.

A religião oficial do Butão é o budismo, que é seguido pela maioria da população. A segunda religião é o hinduísmo.

Perto de 85,5 % dos adultos e quase 24 % dos jovens butaneses são analfabetos.

A primeira autorização dada a estrangeiros para visitarem o Butão como turistas foi dada em 1974.

O Butão é o único país do mundo que absorve mais dióxido de carbono do que emite.

Em vez de usar o Produto Interno Bruto como índice económico, o Butão usa a Felicidade Interna Bruta, com base no desenvolvimento sustentável, proteção ambiental, preservação cultural e boa governação.

Os sacos de plástico estão proibidos no Butão desde 1999.

Pintar falos nas paredes das casas é uma antiga tradição butanesa, destinada a proporcionar fertilidade e boa sorte.





(Fotos de autores desconhecidos)

AGRADECIMENTO

Agradeço a Raul Silva o apoio prestado para a elaboração deste texto.

19 fevereiro 2017

Belezas africanas


Etnia Zulu, África do Sul (Foto de autor desconhecido)


Etnia Tuaregue, Argélia (Foto de autor desconhecido)


Etnia Mursi, Etiópia (Foto: Isabel Rubin de Celis)


Etnia Fula, Chade (Foto de autor desconhecido)


Etnia não identificada, Moçambique (Foto: Víctor Hugo García Ulloa)


Etnia não identificada, Burkina Faso (Foto: Boaz)


Etnia Somali, Somalilândia (república separatista da Somália não reconhecida internacionalmente) (Foto: Eric Lafforgue)


Etnia não identificada, República Democrática do Congo (Foto: Marie Frechon/Nações Unidas)


Etnia Massai, Tanzânia (Foto de autor desconhecido)


Etnia Muíla, Angola (Foto de autor desconhecido)


Etnia Himba, Namíbia (Foto de autor desconhecido)


Etnia Turkana, Quénia (Foto: Eric Lafforgue)


Etnia Bijagó, Guiné-Bissau (Foto de autor desconhecido)

13 fevereiro 2017

A cara de boi

Pormenor de uma casa tradicional do Algarve (Foto: José Júlio Machado)


Era um rei, que tinha três filhos. Um dia disse:

— Pois, filhos, vão correr o mundo, e aquele que trouxer a mulher mais formosa é que há de ficar com o reino.

Partiram todos; os dois mais velhos acharam logo duas raparigas muito formosas, com quem se casaram. Uma era filha de uma padeira e a outra de um ferreiro. O mais novo andou por muitas terras, sem encontrar mulher que lhe agradasse.

Indo um dia por um descampado, cheio de fadiga, desceu do cavalo e deitou-se a uma sombra. Deu-lhe então na vista uma casa muito alta sem porta nenhuma, e só lá bem alto é que tinha uma janela. Esteve ali muito tempo, até que viu vir uma velha, que chegou ao muro da casa, bateu na parede e disse:

Arcelo, arcelo,
Deita o teu cabelo
Cá abaixo de repente,
Quero subir imediatamente.

Foi então que ele viu aparecer à janela uma trança de cabelo tão comprida, que ficou espantado com a sua beleza. A velha pegou-se a ela como se fosse uma corda e subiu para dentro de casa. Pouco tempo depois a velha tornou a sair, e o cavaleiro tendo desejo de ver de quem seria a trança, chegou-se à parede, bateu, e repetiu as palavras:

Arcelo, arcelo,
Deita o teu cabelo
Cá abaixo de repente,
Quero subir imediatamente.

A trança desceu pela janela abaixo, e o rapaz subiu. Ficou pasmado quando viu diante de si a cara mais linda do mundo. A menina deu um grande ai de aflição:

— Vá-se embora, senhor, que pode vir minha mãe, e tem artes de lhe causar todos os males que há.

— Não vou, sem a menina vir comigo, porque eu assim ganho o reino de meu pai. E se não quiser vir, boto-me desta janela abaixo.

Desceram ambos pela parede, e fugiram a toda a pressa no cavalo que estava folgado à sombra. Ainda não iam longe, quando ouviram uma voz:

— Para, para, filha cruel, não me deixes só no mundo.

E como a filha fosse sempre fugindo com o príncipe, a velha disse-lhe:

— Olha para trás ao menos, para receberes a bênção de tua mãe.

Assim que a menina se virou para trás, ela disse-lhe:

— Eu te fado, que essa cara linda que tens se torne em uma cara de boi.

Coitadinha, ficou logo com cara de boi.

Assim que o príncipe chegou à corte puseram-se todos a rir daquela figura horrenda, sem saber como ele se tinha apaixonado por cousa tão feia, que fazia fugir. O príncipe contou a sua desventura aos irmãos, mas quem é que se fiava? Estava quase a chegar o dia em que os três irmãos haviam de apresentar as suas mulheres diante de toda a corte, para se assentar qual era a mais linda, e qual deles é que havia de ficar com o reino.

A rainha velha tinha muita pena do filho, e lembrou-se de fazer demorar a cerimónia, para ver se a velha com o tempo perdoava à menina e lhe restituía a sua formosura.

Disse a rainha, que queria que antes da cerimónia da corte cada uma das suas três noras lhe bordasse um lenço. A filha da padeira e a do ferreiro não sabiam bordar, e trataram de enganar a rainha, arranjando quem lhes fizesse os bordados; a que tinha cara de boi pôs-se a chorar, e tanto chorou que lhe apareceu a velha, e disse:

— Não te rales mais; no dia em que tiveres de entregar o lenço à rainha eu cá to virei trazer.

Chegou o dia, e a velha veio entregar-lhe uma noz muito pequenina. A cara de boi foi levá-la à rainha, dizendo que ali estava o seu lenço. A rainha quebrou a noz e ficou pasmada com a mais fina cambraia, bordada com flores e ramos e aves.

Chegou o dia de irem à corte para serem apresentadas as três noras do rei; a cara de boi pôs-se a chorar, a chorar, até que lhe apareceu a velha que era mãe dela:

— Não chores mais; trago-te aqui um vestido para a festa. — Desdobrou-o; era todo bordado de ouro e pedrarias; a filha vestiu-o, mas quando o vestido era lindo, tanto ela ficava mais horrenda. E pôs-se a chorar, a chorar cada vez mais.

Quando já todos tinham entrado para a sala, faltava só ela; a velha disse-lhe:

— Vai agora tu.

A filha obedeceu, mais ia muito triste por ver-se tão medonha. Quando ia pelo corredor do palácio, a mãe disse-lhe cá de longe:

— Olha para trás. — E assim que a filha virou a cara, continuou: — Fica com a tua formosura. Mas não te esqueças de meteres nas mangas do vestido todos os bocadinhos de toucinho que puderes para me dar.

Então ela entrou na sala pelo braço do marido, e todos ficaram pasmados. A corte toda confessou que ela é que era a mais linda, e dali foram todos para a mesa do banquete. Enquanto estiveram jantando a menina não fazia senão meter bocadinhos de toucinho nas mangas do vestido; as outras duas, que a viam fazer aquilo, trataram de fazer o mesmo pensando que era moda. Acabado o jantar, começaram as danças, e a rainha ao ver o chão todo besuntado de gordura, e que a cada passo se escorregava em bocados de toucinho, perguntou quem é que fizera aquela porcaria. As damas disseram que o viram fazer à princesa herdeira, e por isso fizeram o mesmo. Começou cada uma a sacudir as mangas dos vestidos, e das mangas da menina começaram a cair aljofres e diamantes misturados com flores; as outras envergonhadas botaram-se pelas janelas fora, pelas escadas, corridas, e a que chamavam cara de boi é que veio a ser a rainha, porque o rei entregou a coroa ao filho.

(Faro, Algarve)

in Contos Tradicionais do Povo Português, por Teófilo Braga

07 fevereiro 2017

Um conto tradicional dos índios Bororo


Como nasceram as estrelas, um filme de animação brasileiro

02 fevereiro 2017

Peço a paz

Peço a paz
e o silêncio

A paz dos frutos
e a música
de suas sementes
abertas ao vento

Peço a paz
e meus pulsos traçam na chuva
um rosto e um pão

Peço a paz
silenciosamente
a paz a madrugada em cada ovo aberto
aos passos leves da morte

A paz peço
a paz apenas
o repouso da luta no barro das mãos
uma língua sensível ao sabor do vinho
a paz clara
a paz quotidiana
dos actos que nos cobrem
de lama e sol

Peço a paz e o
silêncio

Casimiro de Brito, in Jardins de Guerra